quinta-feira, 4 de agosto de 2011

300 famílias são despejadas em Itabira (MG)

Como prediziam textos publicados em diversos sítios da internet, no dia primeiro de Agosto de 2011 concretizou-se o despejo de 296 famílias de uma comunidade na cidade de Itabira, Minas Gerais. Um ofício enviado pelo Ministério Público Federal ao Governo do estado exemplifica a irregularidade da ação: um processo de despejo não pode resultar em pessoas e famílias desabrigadas.



Despejo da comunidade Carlos Drummond em Itabira

Há 72 dias manifestantes estão acampados em frente à prefeitura de Itabira, Minas Gerais, reivindicam maior atenção à comunidade de Carlos Drummond. O bairro passa por um processo de despejo anunciado oficialmente no dia 24 de Maio e que tinha como prazo máximo o primeiro dia de Agosto. O acampamento em frente ao prédio público intencionava pressionar o governo municipal por uma renegociação em que fosse garantido o direito à moradia para a população de Drummond. Propostas iniciais rejeitadas, restou a preocupação com a situação do pós-despejo, que começa com sérios problemas.
Desde o ano 2000 o bairro Carlos Drummond foi sendo ocupado por famílias que, de acordo com cadastro da Assistência Social, em 15 de Julho de 2011 totalizavam 296 com renda de zero a três salários mínimos. O terreno, que há quatro décadas se encontrava em desuso, é de propriedade da família Rosa e sua reintegração foi requisitada pela primeira vez no mesmo ano do início da ocupação. Porém, através de um requerimento o advogado dos proprietários apresentou desistência de continuidade do processo. Novamente aberto em 2007, tramitou até Março deste ano, quando foram extintas todas as formas possíveis de protelação e a ordem de despejo foi dada.
Diversos movimentos sociais, líderes religiosos e associações profissionais ofereceram ajuda aos moradores de Drummond, tanto em textos de apoio, como por meio de ações. Destaca-se a atitude de Padre José Geraldo que manteve um jejum de 13 dias pedindo maior atenção do poder público. “Iniciei o jejum para sensibilizar as autoridades locais a fim de que façam alguma coisa no sentido de dar segurança a essas famílias, garantindo, ao menos, uma área em que elas possam reconstruir suas casas.” [1]
O Brigadas Populares e Dandara (ocupação urbana de Belo Horizonte), também se disponibilizaram, tanto para uma possível organização de resistência quanto para garantir que a desocupação fosse realizada de forma pacífica e justa. A população, recebendo dos meios de comunicação da cidade instruções de deixarem suas casas antes que a polícia colocasse em prática o despejo compulsório [2], que poderia e provavelmente culminaria em violência, não optou pela resistência coletiva. A ação de despejo estava marcada para o dia 1º de Agosto. No entanto, no dia 28 de Julho, quinta-feira, as famílias começaram a deixar suas casas voluntariamente.
Ainda assim a presença da polícia foi massiva no dia 2 de Agosto, terça-feira, data máxima para os moradores se retirarem do local. Foi planejada a utilização de 400 homens para a ação. Estavam presentes a Polícia Militar com batalhões especializados de Ipatinga e Belo Horizonte, o Choque da Polícia Militar, o Grupo de Ações Táticas Especiais (GATE) e um helicóptero para reforço aéreo. À essa altura apenas cinco famílias permaneciam em suas casas à espera da liberação do caminhão para a mudança. Nenhuma delas ofereceu resistência.
De acordo com ofício enviado pelo Ministério Público Federal à Prefeitura de Itabira e ao Governo do Estado [3], o despejo infringia vários acordos internacionais que priorizam o cumprimento de direitos humanos universais. Na ação policial, foram também desrespeitados tratados como o bloqueio de alguns observadores que pretendiam garantir a não utilização de violência contra os moradores, assim como auxiliar no carregamento dos caminhões.
Depois do despejo, os problemas caem onde era planejado
O bairro se transformou em uma cena literalmente arruinada, com as construções já sem telhas, janelas e mobília. A única movimentação restante era dos grupos policiais que passarão a fazer a segurança do terreno, para que não possa ser alvo de uma nova ocupação. Assim como permaneciam policiais também na avenida Mauro Ribeiro, na porta de um prédio recém construído, de propriedade do atual prefeito João Izael.
Alguns moradores foram para casas de parentes, outros para a rua e parte deles seguiram para abrigos organizados pela prefeitura. A seleção de quais famílias seriam alojadas foi feita através do cadastro no programa Minha Casa Minha Vida. A estas, que precisaram comprovar uma renda mínima, foi garantido o abrigo. As demais não foram enquadradas como responsabilidade do governo municipal. Houve também a tentativa de distribuição de “bolsa-aluguel”, que se mostrou ineficiente pela falta de disponibilização repentina de tamanha quantidade de imóveis para locação.
No primeiro dos abrigos, o galpão Fio de Ouro, foi construído uma espécie de labirinto de madeirite, onde cada cubículo corresponde a um ‘apartamento’ de cozinha e dois ou três quartos. O galpão tem 10 banheiros, 40 famílias e um sistema de vigilância fabril, onde o coordenador tem ampla visão superior de todos os ‘boxes’ e pessoas.
O mesmo não acontece no ginásio do Gabiroba. Lá, as famílias foram alojadas em uma quadra sem nenhum tipo de divisão e possuem dois banheiros para 50 famílias. Pretende ser uma situação de uma semana até que no Ginásio Brazuca seja instalado a mesma estrutura do Fio de Ouro e o abrigo se transfira.
O intuito é de que essa situação permaneça por aproximadamente um ano, até que o Governo Federal tenha condição de englobar no programa Minha Casa Minha Vida as 90 famílias. O acampamento em frente à prefeitura segue firme, embora possa ser também “despejado” a qualquer momento. A administração municipal já havia requisitado a retirada dos manifestantes, mas perdeu na justiça e foi permitida a ocupação da praça enquanto o despejo da comunidade não acontecia.

À firmeza dos militantes que lutam agora por alojamentos dignos e pela obrigatoriedade do poder público conceder, como prometido, terreno e material para a construção de moradias para os que acaba de desabrigar.
Rafaella Dotta
Estudante de Jornalismo da Universidade Federal de São João Del Rei

[1] Parte de entrevista do Padre José Geraldo de Melo, vigário episcopal da Região Pastoral I da Diocese de Cel. Fabriciano e Itabira-MG, concedida a IHU On-Line (Instituto Humanitas Unisinos - IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS), publicada no dia 21/06/2011.

[2] Como prova uma declaração dada à imprensa pelo comandante do 26º Batalhão de Polícia Militar, tenente-coronel Edvânio Rosa Carneiro, que comanda a região de Itabira: “Estamos com todo o planejamento pronto”. E ainda, "espera que os moradores saiam por livre e espontânea vontade. Se as famílias não saírem, a PM vai agir imediatamente após o fim do prazo", publicado em 01/06/2011.

[3] As remoções e os despejos forçados são considerados ilegais quando realizados com o uso de força física ou violência (…) Nenhuma remoção deve ser realizada sem o acompanhamento de funcionários públicos devidamente identificados, que devem efetivamente zelar pela segurança da população que está sendo removida; Observadores independentes devidamente identificados devem estar presentes para garantir que não sejam utilizadas força, violência ou intimidação; (...) A remoção não pode: fazer uso da violência e da intimidação, em nenhuma circunstância; Ser realizada de forma discriminatória ou replicar padrões discriminatórios; Resultar em pessoas e famílias desabrigadas; Destruir os bens das famílias afetadas; Ignorar a situação específica de mulheres e grupos em condição de vulnerabilidade (idosos e crianças, assim como outros). (grifo nosso)

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Inflexões teóricas na Comunicação Organizacional

Os profissionais de comunicação enfrentam dificuldades para chegar aos postos mais elevados da hierarquia empresarial, concentrar poder, participar da criação e execução de estratégias e assumir posição central, mediando os processos internos e a relação com o público externo. Essa situação ocorre tanto por resistência estrutural em admitir e acompanhar em profundidade as transformações sociais do campo, certo temor em perder legitimidade frente às novas metodologias e, também, por uma análise acadêmica conjuntural um tanto imprecisa e unidisciplinar.
O avanço que as teorias do campo da filosofia, sociologia e comunicação, aliado às novas tecnologias e às transformações velozes pelas quais as sociedades vêm passando engendram um cenário de profunda incerteza. Podemos buscar em Bauman um cenário pós-moderno [apesar de todas as incongruências do conceito] em que as pessoas se tornam cada vez mais individualistas, preocupadas em aproveitar o tempo efêmero de vida e a eliminação de barreiras espaço-temporais fortalece o capital globalizado e padrões de consumo/entretenimento/comportamento quase que universais.
São muitos os teóricos que se esforçam em avaliar a pós-modernidade, cabe citar, ainda Harvey, que atenta para a deslocalização do trabalho e a incorporação de ideias às empresas e seus produtos, que se tornam mais uma maneira de estar em sociedade, pertencer a grupos, valorizar rituais e, como Canclini ressalta, exercer a cidadania. Nesse contexto, o solo teórico se encontra cada vez mais perigoso, movediço, muitas vezes, indo do pessimismo extremo ao otimismo utópico.
Creio que, pelo menos as poucas leituras que tive até agora, parte da literatura da comunicação empresarial se perde em tipos ideais de ações, metodologias, procedimentos e estratégias. Canclini afirma que a modernização aconteceu, e ainda acontece, de forma particular em cada realidade social, se imbricando com as características histórico-sociais do lugar, em um processo criativo que não elimina as estruturas tradicionais: entra em confluência com as condições do meio, criando interações específicas.
Acho que isso atinge um pouco o campo da comunicação, a literatura prega a interação entre administração/marketing/comunicação. As transformações sociais também incentivam o processo. No entanto, as estruturas hierarquias e tradicionais impõem resistências às novidades, frequentemente encontrando meios de seguir as inovações de forma incompleta, garantindo sua posição social historicamente construída.
De acordo com Bourdieu (1989), o mundo é representado em várias dimensões de espaço social. Esse espaço pode ser descrito como um campo de forças: “um conjunto de relações de força objetivas impostas a todos os que entrem nesse campo e irredutíveis às intenções dos agentes individuais ou mesmo às interações diretas entre os agentes” (BOURDIEU, 1989, p.133) Grifo do autor.
Os agentes que se encontram no campo são regidos por um conjunto de regras e convenções socialmente estabelecidas. A posição dos indivíduos é determinada pelo espaço e poder obtidos, o que os submete a tensões internas em busca de prestígio e reconhecimento. Os agentes buscam acumular os poderes que cada campo lhes propicia, “seja, sobretudo, o capital econômico – nas suas diferentes espécies -, o capital cultural e o capital social e também o capital simbólico, geralmente chamado de prestigio, reputação, fama” (BOURDIEU, 1989, p.135).
Esses agentes sociais entram em conflito dentro de cada campo em busca de reconhecimento, capital social, legitimação, posição considerada invejável, etc. O que acontece, penso eu, é um choque entre os administradores tradicionais e clássicos, que resistem em seguir as novas tendências temendo perder lugar na hierarquia para os novos comunicadores, mais antenados à rápida velocidade das mudanças.
Eles seguem uma visão parcial, na qual a mudança e a modernização destroem todo o funcionamento social historicamente constituído e tentam preservar sua posição renegando em parte as tendências. Contudo, como a sociedade também foi atingida pelas mudanças, as pessoas cobram das empresas uma consciência cidadã, em que a instituição faz parte do conjunto social e deve cooperar para o progresso coletivo.
Nesse sentido, os chefes se sentem encurralados, precisam dar uma resposta à sociedade e à imprensa, sofrendo o risco de perder faturamento e mercado. Penso que a alternativa adotada seja uma fuga parcial. Para isso, é importante abordar os conceitos de espetáculo e simulacro, de Debord e Baudrillard. Para eles, as mudanças sociais trazem uma interação baseada em imagens, simulacros que pouco têm a ver com a realidade e não representam as contradições e profundidade dos fatos.
Bom, tenho uma série de críticas a esses conceitos, são aplicáveis, mas generalistas. Mesmo assim, acho que acontece algo parecido com isso, as alternativas geradas pelos chefes atuam como simulacros, em função de ludibriar e opinião pública e retomar o controle do campo, sem realizar mudanças profundas que poderiam alterar toda uma constituição social já estabelecida. Claro que essas estratégias não são totalmente eficazes. Levando em conta o caso da Monsanto, um pesquisador com um mínimo de curiosidade e senso crítico não demora a achar diversos sites mundiais contestando os posicionamentos da empresa. Mas, considerando a representatividade econômica da entidade, concluímos que as estratégias mais espetaculares que concretas de sustentabilidade divulgadas no site funcionam; seja porque muita gente não liga para danos à natureza e à sociedade e quer lucrar a qualquer custo ou ainda não tem consciência da pluralidade de opiniões existente na sociedade e, sobretudo, do que a teoria da complexidade prega: as relações sociais são perpassadas por diversas causas que se interrelacionam em nós, nunca de forma monocausal.
Acho que a mudança disso parte de uma integração de ações. A construção da realidade é social e deve existir na atuação de diversas frentes. Assim: educação da população para a constituição de uma opinião pública crítica e plural, fortalecimento da relação universidade/mercado/comunidade; pressão de grupos, boicote coletivo a empresas negativas, etc.