sexta-feira, 15 de julho de 2011

Quebrando paradigmas: uma visão educativa sobre videogames


Marcelo Alves

A cultura popular está fazendo a audiência mais inteligente. Os videogames promovem desenvolvimento mental muito além do que é ensinado nas escolas e nos livros. As frases são duas das conclusões a que Steven Johnson chega em seu livro, Everything bad is good for you: how popular culture is making us smarter. Muito mais do que pura retórica ou jogos de palavras, o autor desenvolve um estudo sério e multidisciplinar, abordando neurociência, tecnologia, narrativa literária e crítica da cultura, para embasar seus escritos.

Vou me concentrar, nesse texto, em explicar os benefícios de videogames, seguindo o primeiro capítulo do livro. Johnson acredita que as novas tecnologias estão modificando a constituição mental das crianças contemporâneas de uma forma positiva. A mídia estimula uma forma de exercício mental, não presente nos modos tradicionais de ensino.

Para não receber pedradas, destaco, desde já, que esse desenvolvimento de que o autor fala é diferente do aprendizado escolar tradicional. Segundo ele, o problema é que a cultura elitista dominante na sociedade privilegia apenas os conhecimentos letrados, em exclusão às possibilidades audiovisuais populares, consideradas como não produtivas, retrógradas, superficiais e de menor valor. “A cultura popular têm se tornado muito complexa nas últimas décadas, exercitando nossas mentes e poderosas e novas formas”.

Jogos
Os livros e as tecnologias escritas não são desacreditadas. Johnson afirma que os leitores apuram as capacidades de atenção, memória, imaginação, entendimento e relação entre conteúdos. Contudo, a cultura popular não literária se foca em habilidades diferentes e não menos importantes. A mídia e muitos escritores ainda tratam o assunto de forma superficial. No máximo se arriscam a dizer que os jogos melhoram a precisão manual, treinam os olhos a coordenação motora.

A questão tem muito mais aspectos que isso. Os videogames nos fazem aprender sem nos darmos conta. Entendemos em pouco tempo de relações sociais, princípios de economia, matemática, física e outros assuntos. Às vezes com mais eficiência que em uma sala de aula.

Recompensa
De início, ele fala algo que é senso comum para muitos gamers: não se joga buscando diversão. Na maior parte de um jogo, nosso personagem está preso, não sabemos o que fazer, treinamos horas e horas para subir de nível e ganhar novas habilidades. Adiciono, aqui, que obviamente há plataformas destinadas basicamente à diversão, quase sem necessitar de engajamento intelectual algum.

Então o que buscam os players? O autor cita pesquisas recentes em neurociência que demonstram como games conseguem estimular o sistema de dopamina do cérebro, estimulando o sistema de recompensas. Nos jogos, diferentemente da vida cotidiana, a recompensa está certamente presente, batalhamos muito, mas sabemos que nosso caráter, carro, jogador, ficará melhor. “No mundo dos jogos, a recompensa está em qualquer lugar”.

Habilidades
Jogos eletrônicos são permanentes tarefas de paciência e ansiedade. O que os jogadores almejam é o próximo desafio, a nova fase, as dificuldades que estão por vir. “Eles não procuram conselhos morais, lições de vida ou personagens ricos psicologicamente”. Em seu desenvolvimento, o jogo ensina mais sobre como pesar a consequência das escolhas que a família e o sistema educacional.

É essencial aprender a analisar situações, estipular resultados a longo-prazo e testar hipóteses para tomar o caminho adequado, que nos trará mais benefícios no futuro. Isso fica claro na formação de uma equipe em simuladores de RPG e de futebol, automobilismo, entre outros.

Outra característica importante é que o mundo virtual não é composto de regras fixas, dadas e inalteráveis. O jogador cai num mundo de múltiplas possibilidades, sabendo pouco de seu funcionamento. O desafio maior é captar a jogabilidade, aprender as regras e usá-las em proveito próprio ou do grupo.

Probing e telescoping
Steven Jonhson explica que no aprendizado dessas regras estão contidos os fundamentos básicos da ciência: sondagem, hipótese, teste e reformulação da tese. E pegamos isso, muitas das vezes, de forma semiconsciente: testando combinações de poderes, formações, peças, aplicando a ideia e mensurando os resultados. Ele nomeia essa capacidade de probing. Nessa característica, se incluem todos os aspectos do jogo que simulam o mundo real: economia da cidade, entre equipes, velocidade de carros, estabilidade, relações sociais, entre outros. Quem nunca viu isso na franquia The Sims.

Os gamers têm claros na mente os objetivos do jogo. Muito além de salvar a princesa, matar o vilão, chegar em primeiro na corrida ou ganhar o campeonato, o desenvolvimento do game possui diversos sub-objetivos com os quais devemos nos preocupar. Isso desenvolve no player a capacidade de elencar tarefas, estipular metas, organizar ações e estipular uma hierarquia. Johnson chama isso de telescoping. “Eu diria que os desafios cognitivos de videogames são muito mais úteis comparados a outros gêneros educacionais que, sem dúvida, vão o lembrar de seus anos escolares”.

MTV e Multitask
O escritor ainda aborda o efeito MTV. Esse canal instaurou a lógica dos vídeoclipes, as imagens rápidas intercaladas que passam diante dos espectadores em um fluxo rápido e contínuo. Diferentemente de pensadores tradicionais, que afirmam que a velocidade elimina a possibilidade de pensamento, isso fez com que a audiência aprendesse a estética do caos: experimenta a desordem e cria uma lógica para tudo aquilo que está sendo apresentado. “Não é tolerar ou estetizar o caos, é encontrar ordem e significado no mundo e tomar decisões que ajudam a criar essa ordem”.

Além disso, outra característica presente nos jogos e nas novas tecnologias é a capacidade de operar diversos dispositivos ao mesmo tempo e prestar atenção em várias plataformas. “Linda Stone cunhou o termo: atenção contino-parcial. Você presta atenção, mas só parcialmente.”

Fio da meada
Os videogames nos trazem experiências novas, impossíveis em plataformas tradicionais. O personagem é peça criativa e participativa do enredo, colaborando com sua própria organização de jogo, entrando em contato com outros jogadores, fazendo relações pessoais, aprendendo sistemas de troca e confiança. A complexidade desses jogos costuma ser altíssima, com emulação precisa da realidade. A bola no futebol corre mais na chuva, os jogadores se cansam, se machucam. O time precisa ser administrado, buscar financiamento, negociar patrocínios e jogadores. O carro tem que ser ajustado de acordo com as condições da pista...

Obviamente que não são todos os jogos ou todos os jogadores que apreendem essa nova realidade. Muitos não passam do “início rápido”, jogando partidas desconexas, corridas rápidas e lutas sem continuidade. Mas não podemos ignorar as possibilidades de desenvolvimento mental que esses games propiciam, se tornando cada vez mais difíceis e complexos.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

2378: a viagem no tempo invertido

Marcelo Alves

Estou lendo o interessantísimo livro de Steven Johnson, Everything Bad is Good for You. A tese do autor é de que os programas televisivos, bem como jogos e a internet não instilam idiotice e passividade na sociedade, mas fazem parte de uma nova cultura popular contemporânea que desafia intelectualmente cada vez mais os espectadores. Farei uma resenha e uma análise desse livro mais a frente, estou nas primeiras paginas, lendo com intensiva curiosidade e quebrando diversos paradigmas que tinha na cabeça sobre esses programas. Ainda não sei onde tudo isso chegará.

Destaco, aqui, apenas uma parte que muito me chama a atenção por sua pertinência e irreverência intelectual. Johnson cita Marshall McLuhan para argumentar que as novas mídias já nascem com uma análise preconceituosa e reducionista, feita por aqueles acostumados às tradicionais formas de veicular símbolos. Par ilustrar isso, o autor sugere uma crítica em uma sociedade em que livros fossem inventados após os videogames. Essa é uma tradução aproximada do texto presente no livro e que ele diz que seria comum nesse cenário hipotético:

(Original no livro em inglês)

Ler livros cronicamente desestimula os sentidos. De forma diferente à longa tradição de jogos – que engaja a criança em um vívido e tridimensional mundo cheio com imagens velozes e fundos musicais, navegado e controlado por complexos movimentos musculares – livros são, simplesmente, uma barra de linhas em seguida numa página. Apenas uma pequena porção do cérebro se implica no processamento da linguagem escrita, enquanto jogos usam todas as partes do cérebro destinadas a sentidos e a movimentação.

Livros são tragicamente isolantes. Enquanto jogos tem, por muitos anos, estimulado os jovens em complexas relações sociais com seus parceiros, criando e explorando mundo em conjunto, livros forçam as crianças a ficar quietas em um local distante, sem a interação com outras crianças. Essas ‘novas bibliotecas’ que apareceram nos anos recentes para facilitar as atividades dos leitores são assombrosas: dúzias de jovens crianças, normalmente tão vívidas e socialmente interativas, sentadas sozinhas em cubículos, lendo silenciosamente, esquecidas de seus parceiros.

Muitas crianças gostam de ler livros, claro, e, sem dúvida, alguns voos escapistas das leituras têm seus méritos. Mas, para uma considerável parcela da população, livros são discriminatórios e reducionistas. Estudos recentes mostram que 10 milhões de leitores americanos sofrem de dislexia – uma condição que nem existia até o texto impresso aparecer e estigmatizar seus leitores.

Mas, talvez, a propriedade perigosa mais importante desses livros seja o fato de que você tem de seguir um caminho narrativo linear. Você não pode controlar as narrativas de nenhuma forma – simplesmente senta e tem a história ditada. Para aqueles que cresceram em narrativas interativas, essa propriedade é impressionante. Como alguém pode embarcar em uma aventura totalmente coreografada por outra pessoa? Mas a geração de hoje embarca em tais aventuras diversas vezes por dia. Isso arrisca instilar a passividade geral em nossas crianças, fazendo-as sentir como se elas tivessem menos poder frente às circunstâncias. Ler não é uma atividade, um processo participativo: é um ato submissivo. Os leitores de livro da nova e mais jovem geração estão aprendendo a ‘seguir o roteiro’, em vez de tomarem a liderança.

(Fim da tradução)

Belo golpe na cultura letrada e intelectualóide que se arrasta pelos séculos dominando, subjugando e diminuindo o valor da cultura popular e suas características.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Profissional de psicologia pode atuar em várias áreas



João Eurico e Marcelo Alves

O curso acadêmico de Psicologia oferece ao aluno uma variada gama de áreas e perspectivas de abordagem. As diversas correntes filosóficas são muitas, as mais conhecidas são: behaviourista, cognitiva, humanista, sociocultural, fenomenológico-existencialista e psicanalista. Além disso, há a intervenção médica, por meio da psiquiatria. Esta é uma especialidade médica, na qual os pacientes são tratados com psicoterapias e medicamentos.
A atuação do psicólogo também é diversificada. Em sua formação, o estudante tem matérias de psicologia do esporte, clínica, hospitalar, social, escolar e organizacional.

Psicologia
O coordenador do curso de Psicologia da UFSJ, Wilson Camilo Chaves, explica que as possibilidades de formação têm teorias e campos de trabalho específicos. A psicologia educacional, por exemplo, lida com o ambiente escolar, relação professor/aluno e dificuldades de aprendizagem. “É um trabalho facilitador dos processos na escola”, diz Camilo Chaves.
A psicologia organizacional, por outro lado, cuida da saúde do trabalhador e amplia as relações nas empresas. Nas instituições, as funções do psicólogo abrangem mais do que as decisões sobre os cargos ou treinamentos e desenvolvimentos de pessoal.
Há atividades que são próprias especificas do psicólogo, como recursos humanos, área clinica e alguns testes. “São testes projetivos, que compõem uma avaliação vocacional, profissional. Junto com as entrevistas, o profissional aplica esses testes para uma seleção empresarial, por exemplo”, justifica o coordenador do curso.

Clínica
Para atuar na área clínica, o psicólogo complementa a sua formação com cursos (especialização, pós-graduação stricto sensu e lato sensu). O profissional utiliza a psicoterapia, um conjunto de técnicas e meios, para analisar e intervir nos problemas emocionais, comportamentais e/ou transtornos mentais dos pacientes. “Não trabalha [o psicólogo] só com o sujeito, mas também com o grupo, com a família, no atendimento aos pais, aos casais. É um trabalho de consultório. O tratamento pode ter um tempo estabelecido, com um número de sessões, tem também a psicanálise e a psicoterapia fenomenológica existencial, onde você não tem como determinar um tempo”, explica Camilo Chaves.
Na perspectiva cognitiva comportamental, a terapia é determinada de maneira racionalizada, por meio de passos e intervenções específicos. “Se um sujeito está com algum pânico ou uma fobia, o trabalho é feito com sessões visando à mudança de comportamento”, diz.
Em outros pontos de vista nem sempre é assim, não se trata o sintoma, mas o sujeito em sua singularidade, sua diferença. “Como faz a psicanálise, em que o sintoma não é para ser resolvido, mas é feito o reposicionamento do comportamento em frente ao sintoma”, elucida Camilo.
Há, ainda, a psicologia social que trabalha com comunidades, programas de saúde, tribunais de justiça, ou seja, “a psicologia social entende mais a interação do fenômeno social, numa perspectiva psicossociológica”.

Psicanálise
O psicanalista é um profissional de nível superior, muitas vezes psicólogo ou médico, que faz, posteriormente, um curso numa instituição psicanalítica e submete-se à Psicanálise. Na Psicanálise, são utilizadas as teorias da personalidade e métodos de tratamento introduzidos por Sigmund Freud. Embora, muito difundida, a Psicanálise não tem reconhecimento científico. “A psicanálise se firmou com uma abordagem sobre o sofrimento psíquico não como doença, mas elaborar a conversa, numa maneira muito singular de intervenção”, comenta o coordenador do curso de psicologia.
Do ponto de vista psicanalítico, o sujeito se estrutura a partir de uma ausência. Com a ideia do inconsciente, a partir de Freud, alarga-se a perspectiva da consciência, no sentido de que o psíquico é em si inconsciente. “Por mais que a gente faça avanços, o homem ainda não resolveu grandes problemas, os problemas ainda são os mesmos. A questão da sexualidade, da morte, são questões humanas que não tem resposta de maneira definitiva”, argumenta Camilo Chaves.

Psiquiatria
O profissional formado em medicina faz mais dois anos de residência em psiquiatria. O psiquiatra pode tratar psicopatologias por meio de terapias ou administrado fármacos. “Do ponto de vista psiquiátrico, é complicado porque o fenômeno psíquico não é da mesma natureza que o fenômeno físico, fisiológico. Às vezes, a abordagem entende que o psicofísico e o psicológico como uma interação da mesma natureza. É outra especificidade, é como se você pudesse tratar o psíquico como se tratasse o físico”, critica o psicólogo.

Escolha
O aluno do 7º período de psicologia, Rodrigo Afonso Nogueira, afirma que possui mais afinidade com a perspectiva psicanalítica por ser mais coerente. “Mas não podemos nos focar apenas em uma área, o curso é muito amplo e possibilita muitas alternativas”, diz.
Anna Castro, do 3º período, considera a psicanálise uma área “extremamente válida, mas é preciso tomar muito cuidado com as generalizações, e entender que o contexto histórico-social é determinante na aplicação do tratamento e do diagnóstico”, avalia. Ela argumenta que escolheu a Psicologia por ser “muito mais ampla, pois estuda o comportamento e o psiquismo humano através de diferentes perspectivas (como a evolucionista, a humanista, a cognitiva e a sociocultural)”, justifica Anna.

domingo, 10 de julho de 2011

Democratização do acesso: entre o lobby empresarial, a defesa do produtor e o uso social



Marcelo Alves

“Restabelecer o equilíbrio entre a remuneração dos intermediários, as condições de criatividade dos que inovam, e a ampliação do acesso planetário aos resultados – objetivo estratégico de todo o processo – é o desafio que temos de enfrentar” Ladislau Dowbor, 2009

São acalorados os debates sobre democratização do acesso, conhecimento coletivo, copyright, creatives commons, copyleft, indústrias de filmes e de músicas, bem como obras acadêmicas, patentes, informação e literatura. O professor doutor em Ciências Econômicas pela Escola Central de Planejamento e Estatística de Varsóvia, Ladislau Dowbor, é uma das mentes brasileiras mais comprometidas com a defesa da livre distribuição do conhecimento da e cultura na era cibernética.
A tese do professor segue trabalhos publicados por Lawrence Lessig, James Boyle, Joseph Stiglitz, André Gorz, Jeremy Rikin, Eric Raymond, Manuel Castells, Pierre Lévy, entre outros. O grupo de acadêmicos defende que a democratização da cultura e da educação é primordial para garantir a igualdade entre as nações, significando avanço coletivo em ciência, arte, tecnologia, economia e política.
Contudo, Dowbor ressalta que as indústrias de entretenimento (cinema, música, informação), constituem grupos de lobby para pressionar parlamentos a criar legislações que impeçam a difusão do material na internet e na sociedade, criminalizando downloads e qualquer distribuição de conteúdo que não respeite a lei de Direito Autoral. “Em vez de se adequarem às novas tecnologias, sentem-se ameaçados, e buscam travar o uso das tecnologias de acesso, acusando quem as usa de pirataria, e até de falta de ética” (p.2).
O professor faz uma análise lúcida e documentada da situação. A legislação corrente permite que uma obra caia em domínio público 70 anos depois da morte do autor. Isso garante o monopólio da exploração mercadológica e artística do conteúdo, que é vendido em lojas especializadas por uma quantia muito superior ao custo de produção e distribuição reais. Esse valor, contudo, não é revertido para o criador. Fica com os intermediários, as organizações culturais, que, na prática, apenas disponibilizam o suporte material e cuidam de toda a logística de marketing, publicidade e distribuição.
Dowbor argumenta que essa lógica nunca fez sentido e, com as mudanças sociais trazidas pela internet, se torna ainda mais anacrônica e irreal. A exploração comercial dos produtos culturais se limita a pouco tempo: a cultura se torna cada vez mais rápida e mutável, as modas vêm e vão em curto prazo de tempo. Com isso, as empresas vendem os filmes, músicas, livros, em até cinco anos, no máximo 10. Isso é fácil de ser comprovado: os best-sellers são preferidos pelas indústrias e ganham mais edições do que os clássicos, long-sellers.
Acontece que, a febre de consumo não dura muito. Quem lembra qual o livro/cd/filme estava na prateleira de mais vendidos em 2001? Quem ainda os compra? Quais ainda estão nessa prateleira em 2011? “A solução não é liquidar os direitos de propriedade intelectual, mas limitá-los a 5 anos prorrogáveis por mais 5 pelo dono dos direitos, caso ache que vale a pena” (p.3).
Isso sem considerar a inúmera quantidade de obras que não ganha nova versão e se torna raridade em sebos ou no submundo da cultura: obras em que os donos do direito de cópia já faleceram e seus herdeiros não são encontrados ou brigam pela partilha da herança; ou mesmo quando a empresa não considera viáveis os custos de uma nova edição porque não teria novo sucesso de vendas. “O uso educacional e científico sem fins lucrativos deve ser liberado. O uso pessoal e interpessoal não comercial deve ser facilitado” (p.3).
Com isso, grande parte da produção cultural fica inacessível com o passar dos anos para proteger os direitos econômicos de pequenos grupos de empresários – note-se: não dos artistas.

E o lucro?
A essa pergunta, o professor responde provocativamente: “é curioso constatar a fragilidade dos argumentos segundo os quais a livre disponibilização dos livros impede a sua venda” (p.4). Em seu texto, ele lista diversas experiências de autores que disponibilizaram suas obras livremente na internet e, hoje, são conhecidos por um público bem maior e fazem dinheiro ministrando palestras, concertos, aulas e coletando publicidades. Isso sem falar no aumento de vendas que esse reconhecimento democrático e massivo que os downloads proporcionam. “A verdade é que o contexto da economia criativa mudou radicalmente, pois ainda que haja custos na produção de uma obra criativa, uma vez criada, esta obra pode se tornar em fator de enriquecimento de toda a humanidade, já que a disponibilização é praticamente gratuita” (p. 5).
As empresas não estudam formas de se moldar em face às transformações sociais. Por outro lado, pressionam o governo a fim de controlar e frear essas modificações em benefício próprio, ignorando os usos sociais da arte e do conhecimento. Segundo o economista vencedor do Prêmio Nobel, Lawrence Lessig, a economia da informação e do conhecimento deve respeitar critérios mais democráticos e flexíveis, que retratem a realidade da sociedade contemporânea.
Os autores descrevem que as indústrias culturais aplicam relações e práticas de produção que remetem à Revolução Industrial de 1850. Com isso, eles tratam o acesso às obras e ao conhecimento como uma mercadoria tradicional: tentam limitar o consumo de bens simbólicos, criando a falsa sensação de limitação e, consequentemente, de valor econômico incorporado. Desnecessário relembrar em profundidade a discussão foucaultiana sobre os autores.
Tais práticas são surreais, se levado em conta o contexto contemporâneo. O conhecimento, em suas características, não é uma manufatura findável. Pelo contrário, a divisão do conhecimento estimula o aparecimento de novas obras, ideias inovadoras e mais conhecimento. Além disso, explicam Stiglitz e Benkler, que os bens simbólicos incorporam valores, usos sociais e ideias. Não são considerados apenas pelo seu valor de produção/mercado. “Interessa-nos o fato do valor agregado de um produto residir cada vez mais no conhecimento incorporado” (p.7).
Em termos gerais, portanto, a sociedade do conhecimento acomoda-se mal da apropriação privada: envolve um produto que, quando socializado, se multiplica. É por isso, inclusive, que nos copyrights e patentes, só se fala em propriedade temporária. No entanto, o valor agregado ao produto pelo conhecimento incorporado só se transforma em preço, e consequentemente em lucro maior, quando este conhecimento é impedido de se difundir. Quando um bem é abundante, só a escassez gera valor de venda (p.8).
Com isso, cria-se uma tensão entre duas lógicas: a sociedade do conhecimento e o sistema de leis que foram criados em séculos passados. “Por simples natureza técnica do processo, a aplicação à era do conhecimento das leis da reprodução da era industrial trava o acesso” (p.8). Isso trava, no final das contas, o progresso científico da humanidade e a troca de tecnologia/sabedoria entre culturas e países.

Ideologia e hegemonia
Não é necessário muito para entendermos que a lógica defende os interesses das elites tradicionais que comandam o mundo desde as revoluções burguesas. As leis de copyright protegem, na verdade, o capital de poucos e prejudica a sociedade e, me permito dizer, toda a eficácia da globalização, em seus valores, premissas e possibilidades.
Analisado de uma forma mundial, a desigualdade entre as nações se torna ponto fundamental de todo o processo. O conhecimento institui as bases do progresso econômico, muito mais do que a acumulação do capital, que a crise de 2008 provou soçobrar facilmente com a repetição de formas de exploração e rentabilidade que se aproveitam de realidades econômicas de países “subordinados”. “O direito de propriedade intelectual não está baseado no direito natural de propriedade, mas no seu potencial de estimular a criatividade futura” (p.9).
Os autores explicam que “o conhecimento não nasce isolado. Toda inovação se apóia em milhares de avanços em outros períodos, em outros países” (p. 10). A inovação, diz Dowbor, é um processo socialmente construído, que se ampara em todo o conhecimento elaborado pela sociedade, desde às primeiras tecnologias no neolítico. O jurista, James Boyle, fundador dos Creative Commons, nos mostra que as nações hegemônicas se apropriam desse conhecimento de forma gratuita e cobram pelo produto elaborado no final, ele chama esse processo de “enclosure movement”.
As minorias que se apropriam de uma exorbitante parcela da riqueza gerada pela sociedade, apresentam-se como “inovadores”, “capitães da indústria”, “empreendedores” e outros qualificativos simpáticos, mas a realidade é que conforme cresce de maneira impressionante, durante o último século, o conhecimento acumulado e o nível científico geral da sociedade, a porcentagem de idéias que estas elites acrescentam no estoque geral é mínimo, enquanto a sua apropriação tornou-se absolutamente gigantesca, porque colocam um pedágio no produto final que vai ao mercado (DOWBOR, p. 11, 2009).
Esse movimento preserva a riqueza dos países hegemônicos e torna ainda maior o abismo que os separa das “nações em desenvolvimento”. Interessante destacar o quão hipócritas soam as publicidades de responsabilidade social e fomentação da cultura que as grandes empresas veiculam com grande estardalhaço, enquanto seus grupos de pressão travam o acesso democrático à cultura.
Controle dos veículos
Acontece que grande parte dos órgãos de distribuição pré-internet são controlados por esses grupos elitistas que primam pelo enriquecimento particular. Os meios de comunicação, por exemplo, recebem as concessões estatais para funcionar e ignoram sua função social, limitando-se a uma pseudo-prestação de serviço, a qual eles ainda se gabam por fazer. As gigantes recebem os direitos de transmissão, não recebem fiscalização, monopolizam o agendamento de assuntos na sociedade e, apesar de se dizerem “defensoras” da liberdade, impedem a fundação de órgãos comunitários para que as diversidades de opinião sejam expressas.
“O primeiro fato é que a emissão de curto alcance (low power radio service) é perfeitamente possível, e não deveria ser condenada como pirataria” (p. 13). Importante lembrar aqui da criminalização que a lei brasileira faz das rádios comunitárias de baixo alcance. “A comunicação passou a ser interativa, e a própria grande mídia, que através da ABERT (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV) combate qualquer tentativa de democratização do acesso, criminalizando as rádios comunitárias, terá de começar a pensar o seu futuro de maneira criativa” (p. 24).
Nas telecomunicações, o exemplo de Philadelphia é exemplo claro da ação das empresas. A tecnologia de rede wireless municipal, cobrindo toda a cidade, é barata. Na cidade, o projeto de “municipal mesh Wi-fi networking” custaria aos usuários a bagatela de 10 dólares, por uma transmissão de 1 mb/segundo. Muito inferior aos 45 dólares que a empresa local de internet cobra por sua banda-larga. São essas companhias que travam a expansão dessa tecnologia, que beneficia os cidadãos reduzindo os custos de conexão, mas mina os negócios particulares.

Limitar e distinguir o abundante
Rifkin, em A Era do Acesso, descreve que hoje os produtos simbólicos não respeitam mais a lógica produtores/compradores, mas fornecedores/usuários. As pessoas pagam pela utilização de determinados serviços, comunicação, lazer. “O acesso gratuito ao mar não enche os bolsos de ninguém. Fechemos pois as praias” (p. 14).
O capitalismo cria escassez de atos que eram gratuitos para elevar os preços de cobrança. “Ficamos cada vez mais presos na corrida pelo aumento da nossa renda mensal, sem a qual nos veremos privados de uma série de serviços essenciais, inclusive a participação na cultura que nos cerca” (p.15). Dowbor chama isso, de forma muito lúcida, de “pay-per-life”.
O direito dos autores é apenas uma falácia que as empresas evocam, junto com a ética, decaída e anacrônica, para, no fundo, defender o monopólio da exploração comercial dos bens simbólicos. “O receio é que o foco nos lucros para as corporações ricas represente uma sentença de morte para os muito pobres no mundo em desenvolvimento” (p. 15).

Referência
DOWBOR, Landislau. Da propriedade intelectual à economia do conhecimento. Outubro, 2009.