Artigo sobre participação política


ESFERA PÚBLICA, CIDADANIA E MÍDIA
BAIXA PARTICIPAÇÃO POLÍTICA E PRECÁRIA INSTITUCIONALIZAÇÃO EM SÃO JOÃO DEL-REI

Autor: ALVES, Marcelo dos Santos Junior (Comunicação Social: Jornalismo. Universidade Federal de São João del-Rei)

Orientador: Luiz Ademir de Oliveira, Doutor em Ciência Política (Universidade Federal de São João del-Rei)

Resumo: Pode-se constatar, empiricamente, que muitas discussões políticas na cidade de São João del-Rei estão esvaziadas: organizações de bairro, movimentos sociais e sindicatos não conseguem mobilizar e conscientizar a população. Isso acontece por causa do precário grau de institucionalização e participação da cidade em relação às instituições políticas. Tal situação é agravada, tendo em vista que os meios de comunicação não estão consolidados, não se profissionalizam nem alcançaram liberdade econômica e editorial. Fator que dificulta o intercâmbio de informações e o acompanhamento minucioso das ações dos políticos. Nota-se que o palco não é ocupado pelos cidadãos, mas pelos políticos de carreira. Por causa da baixa institucionalização e participação, o debate fica prejudicado, e a população não apresenta suas demandas ao poder público. Em raras circunstâncias, a mídia funciona como canal de expressão dos movimentos políticos e sociais, quando abordam suas ações, absorvem apenas o que é de interesse à lógica espetacular da mídia, deixando os debates e as lutas de lado. Além disso, a concentração dos órgãos midiáticos em poder de apenas um grupo faz com que não haja pluralidade de vozes e pontos de vista, alijando os menos favorecidos. Outros veículos tentam expressar a voz das periferias e excluídos, mas sua abrangência é pequena e alcance, ineficiente. O artigo pretende desenvolver uma articulação teórica do assunto e apresentar evidências empíricas que apontam para o esvaziamento do espaço público na cidade.

Palavras-chave: Política, Comunicação, Cidadania, Participação, Institucionalização

Abstract: It can be seen empirically, many political discussions in Sao Joao del-Rei are emptied: neighborhood organizations, social movements and unions fail to mobilize and educate the population. This happens because of poor level of institutionalization and participation of the city in relation to political institutions. This situation is aggravated because of the media are not consolidated, there is no professional standard and they haven’t achieved economic freedom and editorial. Factor that hinders the exchange of information and close monitoring of the politicians’ actions. Note that the stage is not occupied by the citizens, but by career politicians. Because of the low institutionalization and participation, the debate is hindered, and the population does not present their demands to the government. In rare circumstances, the media acts as a channel for expressing social and political movements, when dealing with their actions, they absorb only what is of interest to the spectacular logic of the media, leaving the debates and struggles aside. Moreover, the concentration of power in media organs of only one group makes no plurality of voices and viewpoints, throwing out the less fortunate. Other vehicles attempt to express the voice of the suburbs and excluded, but its scope is small and scale inefficient. The article aims to develop a theoretical articulation of the subject and present empirical evidence pointing to the emptying of public space in the city.

Keywords: Politics, Communication, Citizenship, Participation, Institutionalization


1.                 Introdução
Este artigo parte de uma reportagem que fiz para um jornal de São João del-Rei, na qual busquei conhecer algumas instituições políticas da cidade e analisar o grau de participação popular em cada uma delas. O cenário apresentado pela matéria jornalística foi precário em ambos os aspectos: a institucionalização, muitas vezes, é incipiente, sem organização e capacitação suficientes para agrupar poder político necessário para exercer pressão pelas demandas da sociedade; e a participação das pessoas nas reuniões e debates não é numerosa e freqüente, se limita ao envolvimento de poucos interessados. Sem a participação ativa da população, sem a busca por informação e sem o intercâmbio de ideias, não há como exercer, efetivamente, a cidadania e a democracia deliberativa.
O artigo pretende iniciar uma discussão teórica desse fenômeno que ocorre não só em São João del-Rei, como em diversas outras cidades interioranas: um baixo nível de institucionalização e de participação civil (muito menor que o verificado nas capitais). As instituições não conseguiram se organizar, estabelecer uma estrutura firme, com alto número de associados; e o cidadão demonstra-se desmotivado e cansado da política. Dessa forma, o não envolvimento das pessoas faz com que a presença da esfera civil na política fique empobrecida, as reuniões públicas de interesse comum dos cidadãos são esvaziadas e as deliberações, raramente, se concretizam em políticas públicas aplicáveis, capazes de alterar a realidade da comunidade.
Os meios de comunicação são atores centrais nesse processo, pois são o palco da esfera pública, seu local de efetivação e extensão, em que a ação política ganha visibilidade e os cidadãos podem acompanhar as decisões tomadas. As trocas simbólicas operadas pela mídia agem de forma definitiva na regulação dos campos sociais. Contudo, a imprensa de São João del-Rei não se consolidou tanto quanto nas capitais e não atingiu liberdade econômica e editorial, ficando presa ao clientelismo e à troca de favores políticos. Outro fenômeno corrente e que impede o desenvolvimento midiático é a dificuldade de profissionalização que incorre na imaturidade do jornalismo praticado na região.
O artigo não tem a presunção de definir características definitivas do espaço público são-joanense ou encontrar causas da baixa participação e institucionalização na cidade. Sua intenção é lançar as bases teóricas do assunto, iniciar um reconhecimento da ação dos movimentos sociais da cidade e de sua relação com os órgãos midiáticos.

2.                 Eixo Teórico

2.1 A Ação política e espaço público a partir da perspectiva de Hannah Arendt e de Jürgen Habermas
Hannah Arendt, em “A condição humana”, amplia o conceito de política, definindo que, além do engajamento político tradicional, institucionalizado, a ação do homem em sua vida cotidiana, também, faz parte de um gesto político. A autora trabalha com três atividades humanas, designadas pela expressão vita activa: labor, trabalho e ação.
O labor está ligado às atividades biológicas do ser humano, às necessidades de seu metabolismo durante sua vida. Arendt cunha o termo animal laborans, pois é a característica que o homem partilha com os animais. Já o trabalho se contrapõe ao labor por não ser imperativo vital da existência humana. Nele, o homo faber transforma as coisas retiradas da natureza em objetos comuns ao espaço humano. Portanto, o trabalho produz materiais artificiais que só ganham significado nos usos destinados pelo homem.
A ação é a atividade exercida, unicamente, entre os homens, sem a interferência de qualquer objeto produzido no trabalho, afirma Arendt. De acordo com a autora, todos os aspectos da condição humana têm alguma relação com a política, a mais significante é a pluralidade, base da ação política humana. Por pluralidade, ela entende o caráter singular e, ao mesmo tempo, plural de todos os homens. “No homem, a alteridade, que ele tem em comum com tudo o que existe, e a distinção, que partilha com tudo o que vive, tornam-se singularidade, e a pluralidade humana é a paradoxal pluralidade de seres singulares.” (ARENDT. 1995, p. 189). Essa pluralidade é revelada na ação e discurso humanos, modo pelo qual os indivíduos se comunicam, produzem lembranças e se revelam uns aos outros.
Em decorrência de tais premissas, Hannah Arendt nomeia “teia de relações humanas” esse caráter relacional da ação humana, em que um pode interferir na vida do outro, mesmo sem o conhecer ou se abstendo de agir. Nesse sentido, é indispensável o aspecto coletivo da ação, agregando interesses e a participação civil e obtendo resultado que alterem o funcionamento da vida social.
Se a ação política só se concretiza a partir do discurso, pressupõe, necessariamente, o compartilhamento de um espaço e a troca simbólica com outros sujeitos. Por isso, ao contrário do labor e do trabalho, a ação somente se efetiva na esfera discursiva. Nesse sentido, é primordial na obra de Arendt a concepção de espaço público como o palco em que os sujeitos possam interagir e demarcar as suas singularidades.
Na visão de Arendt, esse caráter coletivo da ação envolve a participação comum dos homens, de suas palavras e atos na esfera política. “A ação, portanto, não apenas mantém a mais íntima relação com o lado público do mundo, comum a todos nós, mas é a única atividade que o constitui” (ARENDT, 1995, p.210). A autora afirma que essa situação cria o espaço da aparência, em que as pessoas aparecem umas às outras explicitamente. “O espaço da aparência passa a existir sempre que os homens se reúnem na modalidade do discurso e da ação e, portanto, precede toda e qualquer constituição formal de esfera publica e as várias formas de governo (...)” (ARENDT, 1995, p.211).
Em sua concepção, o espaço é assumido pelos que detém poder dentro do corpo social, pelos que são tidos como relevantes, dignos de serem vistos e ouvidos. Esse poder só existe quando os homens agem em conjunto, desaparecendo assim que eles se separam. No contexto, ação e discurso têm lugar no espaço público e produzem poder quando de sua realização.
Hannah Arendt dá, ainda, uma segunda definição do termo “público”, no que concerne ao mundo comum que reúne os homens na companhia um dos outros. Esse elo se dá por meio dos negócios humanos, pelas coisas postas entre os seres humanos que habitam um local em comum.
Essas concepções de espaço público são sistematizadas, organizadas e desenvolvidas por diversos autores. Quem alcançou maior aceitação nesse trabalho foi o filósofo Jürgen Habermas. Como o objetivo do artigo não é traçar uma linha do desenvolvimento histórico dessa concepção, vamos nos deter apenas no paradigma axiologicamente positivo de Habermas e, mais à frente, em sua extensão midiática.
Após se desvencilhar de sua postura frankfurtiana, Habermas reviu seus conceitos e determinou um modelo discursivo de esfera pública, considerando a potencialidade crítica do público. Segundo o filósofo, os cidadãos, mesmo as minorias, podem se manifestar e alterar os espaços públicos. Em sua nova perspectiva, a esfera pública é vista como um fórum aberto para o debate discursivo e a troca de ideias acerca das questões coletivas que afligem a sociedade.
A esfera pública adquire uma visão pluralista e segmentada, na qual múltiplos espaços promovem a variedade de pontos de vistas e opiniões. Nela, uma complexa rede de comunicação faz com que os discursos circulem, sejam contrapostos e estejam em permanente debate e renovação. O jogo de forças discursivas ocorre entre dois níveis de sociedade, que Habermas denomina de mundo sistêmico, que inclui as instituições administrativas, políticas e econômicas, e o mundo da vida, as vontades, ideias e demandas dos sujeitos – o que pode ser chamado de uma mediação entre o Estado e a sociedade civil. Nesse espaço constitutivo, ambivalente e plural, há um duplo fluxo comunicativo em que os discursos e demandas do mundo sistêmico e do mundo da vida se interpõem e se influenciam, mutuamente, brigando por seu espaço e para fazer prevalecer suas demandas.
Um processo coletivo de debate e formação de ideias no mundo cotidiano pode, então, levar suas demandas e vontades ao mundo da tomada de decisão política. Avritzer e Costa (2004), analisando a nova concepção habermasiana afirmam que: “A fonte da legitimidade política não pode ser, conforme Habermas, a vontade dos cidadãos individuais, mas o resultado do processo comunicativo de formação da opinião e da vontade coletiva” (AVRITZER e COSTA, 2004, p.708).
O espaço público contemporâneo, portanto, não se constitui apenas na política, em instituições e grupos organizados, mas também em cafés, bares, universidades, escolas, fábricas e demais locais de intercâmbio de ideias e discursos que fazem parte do cotidiano. Nesses espaços públicos, dinâmicos e plurais, que são produzidos, alterados e disseminados os fluxos comunicativos contendo as demandas da sociedade. Ganham lugar novas linguagens, novas reivindicações e novos direitos que vão se reformulando progressivamente e alterando a ideia de cidadania.
Contudo, Habermas insiste que a influência da sociedade civil no Estado deve ser auto-limitada por dois motivos. Primeiramente, para evitar a burocratização e afastamento da base. As instituições civis devem servir apenas como catalisadores das demandas sociais, fazendo as chegar aos meios administrativos, evitando procedimentos complexos e que possam travar o processo. O outro motivo tem relação com o poder. Para o autor, a sociedade civil não deve exercer as funções de competência da esfera sistêmica, mas influenciar os mecanismos do Estado para atingir os núcleos de decisão.
Os meios de comunicação têm papel central nessa nova perspectiva discursiva. A mídia expande esse espaço público, na medida em que se torna o principal local de debate de ideias e de trocas simbólicas. Esse aspecto será abordado em outra subdivisão.

2.3 Democracia deliberativa e cidadania
Usaremos o conceito de sociedade civil e de Estado definidos por Norberto Bobbio (1990), que os caracteriza de modo bem simples e didático:
por sociedade civil entende-se a esfera das relações sociais não reguladas pelo Estado, entendido restritivamente e quase sempre também polemicamente como o conjunto dos aparatos que num sistema social organizado exerce o poder coativo (BOBBIO, 1990: 33).
Seguindo a perspectiva weberiana, Habermas (2002) propõe uma tipificação ideal de três modelos normativos ideais de democracia e de cidadania, a saber, o liberal, o republicano e o deliberativo, reconhecendo que nenhum deles existe integralmente. Não nos estenderemos na explicação dos dois primeiros conceitos por falta de espaço.
Os paradigmas a serem utilizados nesse artigo são: democracia e cidadania deliberativas. A concepção procedimental de política deliberativa é a que Habermas diz que “gostaria de defender”, por apoiar-se “nas condições de comunicação”. O processo deliberativo surge por meio do melhor argumento, em que os sujeitos sociais devem apresentar bases racionais para suas proposições. “O terceiro modelo de democracia que me permito sugerir baseia-se nas condições de comunicação sob as quais o processo político supõe-se capaz de alcançar resultados racionais (...) de modo deliberativo” (HABERMAS, 2002, p. 277).
  Nesse modelo, a tomada de decisões políticas é legítima, apenas, quando respeita as deliberações dos cidadãos, resultantes de extensiva discussão pública e intercâmbio de ideias a fim de debater os argumentos apresentados para, então, decidir o melhor. Assim, o processo deliberativo consiste em um ato comunicativo, coletivo, racional, democrático e discursivo de análise e decisão. Na democracia deliberativa, portanto, o Estado e os mais variados segmentos da complexa sociedade civil permanecem em constante diálogo por meio do fluxo comunicativo, gerando tensões, influenciando-se e tentando impor sua vontade.
O conceito de cidadania deliberativa supera a concepção liberal e republicana, uma vez que pressupõe a soberania popular, entendida por Habermas como um processo de permanente intercâmbio de informações e de formação da opinião pública. Isto envolve um processo comunicativo recíproco dos membros da sociedade civil que integra suas demandas e as expressa socialmente, criando uma esfera dinâmica de relações entre sociedade civil e Estado.
A cidadania deliberativa tem o poder de decidir, junto às outras esferas, quais são os interesses da sociedade. Os indivíduos, portanto, são capazes de participar do procedimento democrático pela ação política deliberativa, em que os cidadãos devem ser engajados nas questões de concernência comum para influir na transformação da sociedade. Isso se realiza quando a opinião pública se torna um poder comunicativo que “não pode dominar, mas apenas direcionar o uso do poder administrativo para determinados locais” (HABERMAS, 2002, p. 282).

2.3. Os impasses para a consolidação de uma democracia participativa e cidadã
Se Hannah Arendt (1996) vislumbra na ação política a possibilidade de o sujeito demarcar a sua singularidade no mundo e interferir no meio social, por outro lado, a pensadora política reconhece que o século XX – período em que escreveu as suas obras – dava claras demonstrações de uma decadência da vida pública. A autora reconhece o que ela chama de “fragilidade dos negócios humanos” ao afirmar que o ser humano se isola em sua vida particular tendendo à individualização, ao artificialismo, o que causaria o esvaziamento da vida pública.
Essa perspectiva pessimista da autora que em muitos pontos se aproxima dos frankfurtianos conclui que espaço público passa a ser ocupado pela esfera privada. Com isso, a vida política seria determinada por valores privados e pessoais. Para Arendt, a ação política tem sido pouco acionada pelos sujeitos.
O risco da chamada tirania da maioria já havia sido anunciado por Tocqueville no século XVIII, quando ele apontava o caráter paradoxal dos regimes democráticos. Segundo ele, um cidadão ideal seria o politicamente engajado, envolvido diretamente em todas as discussões públicas. No entanto, ao analisar a sociedade americana, o autor a diagnosticou como intimista, individualista, em que as multidões se encarceravam no privado à revelia do público.
Dessa forma, ele assumiu um tom pessimista e concluiu que o corpo social tendia à tirania da maioria. O individualismo exacerbado, diz Tocqueville, incorre no esvaziamento da vida pública e da política – espaço de ação e liberdade. Assim, mercado e Estado ocupariam o vazio deixado pela população, centralizando o poder. A sociedade, conforme o pensador político, é homogeneizada culturalmente, pois os cidadãos se preocupam, apenas, com o desenvolvimento econômico pessoal, abandonando os valores e questões as coletivas, isolando-se em suas preocupações materiais.

2.5 As teorias da ação coletiva
Anthony Downs (1999) faz uma análise econômica da democracia e cria a Teoria da Escolha Racional. Neste paradigma, o indivíduo é encarado como um sujeito racional que escolhe as alternativas políticas de menor custo que possam lhe favorecer. Essa concepção põe o bem privado antes do público: se os cidadãos conseguirem benefícios pessoais, não é necessária uma organização solidária para atingir esses objetivos. Downs é criticado pelos autores subseqüentes pelo caráter puramente econômico de sua teoria, mesmo assim, suas ideias de vantagem pessoal e individualismo são frequentemente retomadas.
Mancur Olson (1971) organiza e desenvolve a Teoria da Ação Coletiva, nela, o autor segue a linha de raciocínio de Downs ao afirmar que os indivíduos não se organizam para defender seus interesses porque, sendo racionais, esperam que outros com o mesmo objetivo o façam. Outro obstáculo colocado por Olson é o alto custo da participação e a baixa contribuição dos indivíduos para o bem comum. Esse comportamento dá origem ao que se chama de “caronas”, ou “free-riders”, que aproveitam do benefício produzido pela participação alheia.
Esse paradigma é insatisfatório por não explicar as causas que levam as pessoas a se organizarem em conjunto para produzir o bem coletivo, apesar de ser racional aproveitar os benefícios da ação de outrem. Santos (1993) trabalha com a complexidade e pluralidade do corpo social ao definir a lógica dual da ação coletiva, que se relaciona com a lógica conflituosa da sociedade. Nesse sentido, ele defende a ideia de mal coletivo: é mais vantajoso agir em conjunto a perder benefícios para outras organizações ou sofrera deterioração do status quo.
Robert Dahl (1994) afirma que não há uma participação efetiva e constante na esfera pública, vez que os indivíduos se revezam na arena de acordo com seus interesses. Esse aspecto enfraquece a teoria democrática de participação e liberdade. Considerando isso, o autor sugere que o regime nas sociedades democráticas seja chamado de Poliarquia, cujos eixos seriam baseados na participação e na institucionalização. O ideal democrático mais próximo da perfeição seria o que alcançasse plena institucionalização e ampla participação política dos cidadãos.
Dahl define um cenário básico para garantir as melhores condições ao desenvolvimento da democracia, nele se encontram: a liberdade de criar e aderir a organizações, a liberdade de expressão, o direito de voto, a elegibilidade para cargos públicos, o direito de líderes políticos à disputa de apoio e votos, o acesso a fontes alternativas de informação, e eleições livres.
No Brasil, Santos (1993) identifica que o processo de democratização incorporou às massas à competição política antes que as instituições fossem, satisfatoriamente, fortalecidas. “Esta consideração é de suma relevância porque identifica a origem da instabilidade recorrente dos sistemas latino-americanos em uma peculiaridade de seu processo de formação histórica antes que em perversidade de caráter.” (SANTOS, 1993, p.29)

2.6 A influência da mídia: palco e ator político
John B. Thompson (1998) analisa o novo modo de interação social que os meios de comunicação possibilitam, o que cria novas formas de cultura, de vida, novos hábitos e valores. Para ele, o conceito de massa é ultrapassado: os indivíduos recebem os conteúdos simbólicos da mídia de maneira ativa e seletiva, incorporando ou não à sua vida cotidiana.
Na política, os meios de comunicação possibilitaram aos políticos uma visibilidade sem precedentes na história. Os políticos ganham em reconhecimento social e familiarização, mas ficam mais e mais observados pela mídia. Assim, qualquer deslize cometido pode se tornar um escândalo, prejudicando sua credibilidade e manchando sua imagem. Os políticos precisam conviver com essa nova forma de “publicidade-mediada” e administrar sua visibilidade, precisam se policiar diante da mídia e usar assessores políticos para gerenciar sua imagem. Thompson afirma que, com isso, a política se torna amplamente transparente, na esfera local e global, pois pode fazer com que os políticos tenham mais responsabilidade e humildade e aumentem o debate em torno do espaço público.
Habermas, em seus trabalhos recentes, aponta para a mídia como uma ampliação da vida pública, em que o mundo sistêmico e o mundo da vida se articulam. É o espaço em que as disputas discursivas se operam e resultam em deliberações. Lima (2006) discute a centralidade da mídia para a política. Ele enfatiza que, hoje, a política não existe sem recorrer aos meios de comunicação. No entanto, o autor, ao analisar o contexto brasileiro, ressalta uma série de deficiências que dificultam a profissionalização das instituições midiáticas.
Os oligopólios midiáticos, conforme o autor, conseguiram atingir patamares elevados em termos de padrão de qualidade em seus vários veículos e produtos. Mas há tamanha concentração que se torna um grande impasse para a democracia. Por outro lado, a alternativa poderia vir da criação de uma multiplicidade de novos canais, principalmente de comunicação regional e comunitária. Mas, como se observa em São João del-Rei, no interior, além da falta de profissionalização da mídia, há um outro tipo de mandatário – grupos políticos. Isso se torna um entrave e dificulta a possibilidade um espaço público múltiplo e aberto à diversidade de opiniões.

3. Proposta de um Estudo de Caso: São João del-Rei
Com base nas discussões teóricas levantadas ao longo do artigo, pretende-se apresentar uma proposta de um estudo de caso quantitativo e qualitativo, a ser desenvolvido posteriormente. Em São João del-Rei, como diversas outras cidades interioranas, o que se verifica é um baixo nível de institucionalização e de participação.
As instituições não conseguiram se organizar, estabelecer uma estrutura estável, com alto número de associados. Pelo contrário, elas sobrevivem precariamente, muitas mantidas por esforços de um pequeno círculo de pessoas. Dessa forma, o poder de ação fica enfraquecido por não contar com a participação maciça e crítica dos cidadãos nas discussões.
As organizações de bairro têm importância central no fluxo comunicativo necessário à democracia deliberativa, pois têm a função de agrupar interesses e demandas comuns dos moradores e levá-las a fóruns e à administração municipal. Contudo, nem todas as comunidades de São João possuem associações, as que têm, não conseguem fazer com que os cidadãos participem de suas reuniões. A Associação dos Moradores da Vila Brasil (Amavibra), por exemplo, contabiliza 15 filiados, apesar de seus oito anos de fundação. A arrecadação vem de doações dos quase 200 moradores do bairro. A sede é alugada e poucas melhorias foram obtidas para o bairro. A Associação de Moradores e Amigos de São João del-Rei (AMAS del-Rei) foi criada em 2008. É um órgão fiscalizador do poder público, e tem 20 filiados, com participação efetiva de apenas 15 pessoas nas reuniões. A AMAS não tem captação de renda nem sede, seus membros tentam arcar com as despesas.
O Movimento Gay da Região das Vertentes (MGRV) apresenta uma situação parecida. Atuando desde 2006, o MGRV conta com 75 filiados e sobrevive por meio de eventos e projetos de parceria. Essa realidade é comum aos demais movimentos populares e sociais da cidade, que, salvo exceção, funcionam sem o envolvimento dos cidadãos. O Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (SindUTE) possui sub-sede