segunda-feira, 24 de maio de 2010

Descaracterização visual, arquitetônica e urbanísitca de São João del-Rei


Pluralidade, tradição e modernidade
Casarões coloniais convivem com a arquitetura eclética e contemporânea e com o modo de vida acelerado da modernidade


São João del-Rei é conhecida por seus casarões coloniais, igrejas barrocas, neoclássicas e suas ruas sinuosas de pedras envelhecidas. A força da cultura do município revela inúmeras belezas de caráter material. Sua arquitetura, por exemplo, não ficou presa ao estilo colonial. Pela opção desenvolvimentista da cidade, encontram-se, também, belíssimas construções ecléticas, proto-modernas e contemporâneas. Claro que, para isso, muito se perdeu: casarões e até quarteirões inteiros foram derrubados. Ainda assim, uma São João del-Rei eclética em seus estilos sobrevive, açoitada pelas truculências da vida moderna.

"São João se manteve muito bem preservada, com todos os estilos arquitetônicos"(FERRARI)

Uns afirmam: apenas 3% da cidade estão, hoje, preservados. Outros dizem: todas as cidades que passaram por um processo de desenvolvimento foram descaracterizadas, mas, aqui, valorizou-se um número muito grande de bens patrimoniais. Contudo, não existe um estudo que precise a percentagem de bens históricos ainda preservada. Fato é que del-Rei escolheu não se quedar estagnada no tempo. Assumiu seu desenvolvimento econômico e, como muitos outros municípios históricos, pagou por isso com peças vivas de sua história. Nostálgicos apaixonados lembram-se dos tempos românticos da cidade, quando quase não havia carros. Realistas exaltam a autenticidade dos bens são-joanenses e a preservação que, com esforço, se conseguiu manter.

Nas palavras do diretor técnico do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), Mário Ferrari: “Acho que São João del-Rei não é uma cidade descaracterizada, é uma cidade viva. Muita coisa se perdeu, assim como em qualquer outro centro, em função do crescimento desordenado e da falta de planejamento. Peculiarmente, São João se manteve muito bem preservada, com todos os estilos arquitetônicos”

Pluralidade
Segundo a arquiteta da Secretaria Municipal de Cultura e Turismo, Karina da Silva Martins Rodrigues, “ao caminhar por del-Rei apreciamos a variedade de estilos que marcaram o desenvolvimento da cidade, o colonial, gótico, neo-romano, neo-clássico, eclético, proto-moderno, modernista e contemporâneo. Ao percorrer a cidade, há a história de vários períodos. É uma característica super positiva não haver uniformidade”, afirmou a arquiteta.
De acordo com Karina Martins, pode-se destacar que São João é uma das poucas cidades que permaneceram autênticas às suas construções, pois não se espalhou o pastiche. Este é uma cópia de edificações antigas. Por exemplo, em um vazio urbano entre construções históricas não se deve copiar o estilo colonial proveniente de outra época. Mas empregar técnicas contemporâneas de arquitetura, preservando e respeitando a harmonia do conjunto, isto é, um diálogo arquitetônico, o novo conversando com o antigo.

Descaracterização
Desinformação, perda de algumas técnicas e empobrecimento da cidade foram causas apontadas para as descaracterizações. Para os bens históricos serem preservados, o conhecimento e a valorização são imprescindíveis. A comunidade precisa saber o quão valioso é seu patrimônio. “Desde o início da formação escolar, a riqueza patrimonial tem que ser estudada pelos alunos para gerar a consciência de preservação. Muitas pessoas não preservam por não reconhecerem o valor.”, argumentou Karina Martins.
Outro fator importante é a especulação imobiliária, pois o metro quadrado no centro é alto e os proprietários tendem a aproveitar ao máximo o espaço de seu terreno, o que não é permitido. Além disso, o caráter econômico é significante, vez que reformar custa caro. “Às vezes, os moradores não têm condições financeiras de manter o imóvel antigo. Aí vai deixando a fachada descuidada ou fazendo reparações mais baratas, com material contemporâneo”, disse a arquiteta.

Placas e letreiros
Nas ruas comerciais da cidade facilmente se nota o abuso cometido pelos proprietários ao colocar placas e letreiros desproporcionais e em convergência com a identidade de uma cidade história. “Esse é um grande problema. Principalmente na Avenida Tancredo Neves, a coisa foi acontecendo sem nenhum controle. Acho que é necessáriá uma revisão do Código de Posturas do Município [de 1990] para estabelecer um padrão e é essencial que a fiscalização se torne mais rígida”, reconheceu a arquiteta da Secretaria de Cultura e Turismo.

"O código de Posturas é antigo e obsoleto, como se não existisse" (FERRARI)

O diretor técnico do IPHAN concorda com o ponto de vista de Karina Martins. “Muitas dificuldades existem por falta de legislação municipal. Não temos uma Lei de Uso e Ocupação do Solo, que define parâmetros de construção na cidade. O código de Posturas é antigo e obsoleto, como se não existisse. Há, no, IPHAN os parâmetros de placa indicados, mas não podemos fazer com que isso seja seguido fora da área tombada. Precisa ser feito um novo Código de Posturas”, disse Mário.

Como proteger
Dois órgãos atuam na proteção dos bens históricos de São João: o IPHAN e o Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural (CMPPC). Ambos fizeram tombamentos e protegem as áreas e edificações individuais e as cercanias das modificações feitas pelos proprietários.

O IPHAN foi instalado e passou a agir efetivamente na década de 80. Por isso, muito se modificou na cidade e pouco podia ser feito. Só em 2007, o Instituto teve seu próprio escritório técnico. “Já viemos de um passado negativo: aconteceram várias demolições na área tombada e não tinha ninguém para punir. Perdemos muita coisa naqueles tempos, mas houve reconstruções que não engessaram São João no estilo colonial”, afirmou Mário Ferrari.

Após a instalação do IPHAN na cidade, muito se combateu a mentalidade retrógrada e as alterações incorretas nas edificações tombadas com processos. Isso fez com que a área tombada esteja, hoje, bem preservada. “Há obras irregulares porque os processos judiciais demoram. Depois, o proprietário deve desfazer suas modificações e deixar o prédio como dentro das normas do IPHAN e do tombamento”, disse o diretor técnico.

O Conselho de Preservação foi criado em 1998 e delimitou o centro histórico em 2000. Ele atua em parceria com o IPHAN na fiscalização e proteção ao patrimônio são-joanense. “Se alguém descaracterizar um imóvel que estiver em área tombada pelo Conselho ou pelo IPHAN, essa pessoa vai ser processada. Quem quiser modificar sua fachada deve enviar o projeto para ser avaliado e, depois de aprovado, pode iniciar a obra”, disse Roberto Maldos, presidente do Conselho.

"Quem fizer alterações no edifício sem nossa aprovação será processado" (MALDOS)

De acordo com Maldos, há casos em que pessoas fazem alterações nas fachadas de suas casas e só depois comunicam ao Conselho ou ao IPHAN. “Quando isso acontece e a obra está em desacordo com os padrões, nós acionamos nosso departamento jurídico. Mas processos demoram”, afirmou.

Lembranças
Alguns sãojoanenses, ainda hoje, suspiram ao relembrar dos ares da cidade do início e meados do século XX. Alzira Agostini Haddad, coordenadora do Atitude Cultural, nasceu em 1958 e lembra com paixão de sua infância. “Eu ia a pé para a escola e sempre ficava admirando, ficava encantada. Nessa época, a cidade ainda era bastante preservada. Com o passar dos anos, fui percebendo e ficando aflita, porque a descaracterização foi muito avassaladora, foi muito depressa. Praticamente em 50 anos, se destruiu uma cidade que tem 300 anos”, observou.

Outra Alzira, a Barreto Simões, uma senhora de 82 anos, moradora do Bairro do Segredo, ainda se lembra de maneira muito forte e viva de quando cuidava das hortas de seu pai naquele mesmo local, onde hoje existem diversas casas. “São João era outra cidade. Havia somente seis carros. Era tudo muito calmo. As ruas tinham seu calçamento original. Era tão plano que não me lembro de ter tropeçado nenhuma vez. A gente ia andando pela cidade e sentindo o cheiro de rosas, pois os jardins eram cuidados com primor. No Largo de São Francisco havia orquídeas e muitas outras rosas, hoje está bastante sem graça”, lembrou.

"Sofro profundamente com o aviltamento dessa cidade"(BARRETO)

Ela contou com saudades como era o córrego que corta São João, da beleza impecável dos casarões e da polidez das pessoas. “Andávamos pelas ruas com tranqüilidade, sem preocupação nenhuma. Eu ficava admirando o Córrego dos Lenheiros que era tão límpido! Perto do Museu, havia uma queda d’água, como uma cachoeirinha. Era tão lindo! Agora, cimentaram tudo. Está essa coisa feia e degradada”, relatou Alzira Simões.

4 comentários:

  1. Em 1880, São João tinha somente 25 ruas, que são o atual centro histórico. Matosinhos não conta entre essas 25 ruas, pois era um arraial afastado da cidade. Então, de fato, houve descaracterização, mas não de 90%. A maior parte das ruas têm menos de 100, a maioria menos de 50 anos.
    Bom trabalho jornalistico!

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  2. Muito obrigado Alex!
    Eu tbm não tinha noção dessa pluralidade.
    Foi na apuração que descobri e achei legal divulgar um outro lado de SJ que talvez nem todo mundo conheça.
    Acho que jornalismo é isso tbm: buscar quebrar senso comum e mostrar realidade já não tão conhecidas e comentadas...

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  3. Seria melhor se acabassem com essa porra de cidade histórica e trouxessem mais emprego para são joão del rei. A cidade parou no tempo e nenhum sanjoanense ganhou absolutamente nada com esse caralho de patrimonio histórico.

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  4. "sofro profundamente com o aviltamento dessa cidade", esta frase poderia ser cognonimada como a mãe da hipocrisia. Sinceramente, se eu encontrasse com o autor desta frase diria que ele é uma bicha poética e que mal conhece o sofrimento na sua integridade. O verdadeiro sanjoanense sofre, mas não é com "aviltamento", é com o desemprego que assola a cidade de são joão del rei. Mil vezes porra.

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