Fio da Navalha

Famosa passagem de Dominique Wolton, em que o teórico aponta a possibilidade de futuro para a comunicação:


As sociedades modernas e democráticas estão condenadas à comunicação por duas razões complementares.
 A primeira diz respeito à dimensão normativa, ligada ao intercâmbio e à partilha que estão no centro da experiência humana e no do modelo da sociedade individualista de massas que tenta gerir as duas dimensões contraditórias da liberdade e da igualdade. A dimensão funcional está, em contrapartida, ligada à complexidade crescente das economias e dos sistemas políticos e requer a instalação de redes de informação fiáveis e interactivas, colectivas e individuais. Nos dois casos, trata-se de comunicação, ligando os indivíduos entre si, mas não do mesmo significado. Sobretudo no momento em que a explosão das técnicas e as promessas desse gigantesco mercado se apresentam como "a encarnação" da comunicação normativa.
 A questão consiste, portanto, em saber em que condições é possível salvar a dimensão normativa da comunicação e fazê-la escapar aos dois desvios técnicos e económicos, cuja influência se faz à medida das inovações e dos mercados. Não é certo que, no final do lento e profundo movimento de modernização começado há mais de um século, onde a comunicação teve um papel essencial, esta continue a ser o valor de liberdade e de emancipação que já foi no passado... As performances técnicas e as promessas dos mercados ocupam tanto espaço que reduzem as dimensões normativas, que não desaparecerão, tendo em conta a referência ontológica da comunicação, mas poderão ser reduzidas às devidas proporções. Uma coisa é certa: quanto mais performance e integração técnica houver mais necessário será, para salvar a dimensão humana da comunicação, diferenciar, distinguir, voltar a introduzir tempo e intermediários. É preciso admitir que a racionalidade da comunicação das técnicas é sempre mais eficaz, mas mais limitada que a comunicação humana e que não existe ligação directa entre eficácia dos instrumentos e compreensão entre os homens. De uma maneira mais geral, compreender que o desafio essencial continua a ser o do estar junto, da coesão social, e não o da afirmação dos direitos individuais. Recordar, também, que as diferenças entre mundialização, globalização e universalização continuam a ser radicais e que a mundialização das técnicas de comunicação não constitui, de modo algum, a encarnação do ideal do universalismo. Recordar enfim, nesta necessária inversão de reflexão, que já não há ligação directa entre comunicação e emancipação. Para melhor nos compreendermos e tolerarmos não basta que comuniquemos instantaneamente de uma ponta à outra do mundo. Numa palavra, é perfeitamente possível que haja, simultaneamente, parabólicas e fundamentalistas; computadores e ditadores. Triunfando e tornando-se uma indústria, a comunicação perdeu a sua ligação directa com os valores que a sustentam. Mas continua sempre a haver uma margem de manobra.