Marcelo Alves
“Restabelecer o equilíbrio entre a remuneração dos intermediários, as condições de criatividade dos que inovam, e a ampliação do acesso planetário aos resultados – objetivo estratégico de todo o processo – é o desafio que temos de enfrentar” Ladislau Dowbor, 2009
São acalorados os debates sobre democratização do acesso, conhecimento coletivo, copyright, creatives commons, copyleft, indústrias de filmes e de músicas, bem como obras acadêmicas, patentes, informação e literatura. O professor doutor em Ciências Econômicas pela Escola Central de Planejamento e Estatística de Varsóvia, Ladislau Dowbor, é uma das mentes brasileiras mais comprometidas com a defesa da livre distribuição do conhecimento da e cultura na era cibernética.
A tese do professor segue trabalhos publicados por Lawrence Lessig, James Boyle, Joseph Stiglitz, André Gorz, Jeremy Rikin, Eric Raymond, Manuel Castells, Pierre Lévy, entre outros. O grupo de acadêmicos defende que a democratização da cultura e da educação é primordial para garantir a igualdade entre as nações, significando avanço coletivo em ciência, arte, tecnologia, economia e política.
Contudo, Dowbor ressalta que as indústrias de entretenimento (cinema, música, informação), constituem grupos de lobby para pressionar parlamentos a criar legislações que impeçam a difusão do material na internet e na sociedade, criminalizando downloads e qualquer distribuição de conteúdo que não respeite a lei de Direito Autoral. “Em vez de se adequarem às novas tecnologias, sentem-se ameaçados, e buscam travar o uso das tecnologias de acesso, acusando quem as usa de pirataria, e até de falta de ética” (p.2).
O professor faz uma análise lúcida e documentada da situação. A legislação corrente permite que uma obra caia em domínio público 70 anos depois da morte do autor. Isso garante o monopólio da exploração mercadológica e artística do conteúdo, que é vendido em lojas especializadas por uma quantia muito superior ao custo de produção e distribuição reais. Esse valor, contudo, não é revertido para o criador. Fica com os intermediários, as organizações culturais, que, na prática, apenas disponibilizam o suporte material e cuidam de toda a logística de marketing, publicidade e distribuição.
Dowbor argumenta que essa lógica nunca fez sentido e, com as mudanças sociais trazidas pela internet, se torna ainda mais anacrônica e irreal. A exploração comercial dos produtos culturais se limita a pouco tempo: a cultura se torna cada vez mais rápida e mutável, as modas vêm e vão em curto prazo de tempo. Com isso, as empresas vendem os filmes, músicas, livros, em até cinco anos, no máximo 10. Isso é fácil de ser comprovado: os best-sellers são preferidos pelas indústrias e ganham mais edições do que os clássicos, long-sellers.
Acontece que, a febre de consumo não dura muito. Quem lembra qual o livro/cd/filme estava na prateleira de mais vendidos em 2001? Quem ainda os compra? Quais ainda estão nessa prateleira em 2011? “A solução não é liquidar os direitos de propriedade intelectual, mas limitá-los a 5 anos prorrogáveis por mais 5 pelo dono dos direitos, caso ache que vale a pena” (p.3).
Isso sem considerar a inúmera quantidade de obras que não ganha nova versão e se torna raridade em sebos ou no submundo da cultura: obras em que os donos do direito de cópia já faleceram e seus herdeiros não são encontrados ou brigam pela partilha da herança; ou mesmo quando a empresa não considera viáveis os custos de uma nova edição porque não teria novo sucesso de vendas. “O uso educacional e científico sem fins lucrativos deve ser liberado. O uso pessoal e interpessoal não comercial deve ser facilitado” (p.3).
Com isso, grande parte da produção cultural fica inacessível com o passar dos anos para proteger os direitos econômicos de pequenos grupos de empresários – note-se: não dos artistas.
E o lucro?
A essa pergunta, o professor responde provocativamente: “é curioso constatar a fragilidade dos argumentos segundo os quais a livre disponibilização dos livros impede a sua venda” (p.4). Em seu texto, ele lista diversas experiências de autores que disponibilizaram suas obras livremente na internet e, hoje, são conhecidos por um público bem maior e fazem dinheiro ministrando palestras, concertos, aulas e coletando publicidades. Isso sem falar no aumento de vendas que esse reconhecimento democrático e massivo que os downloads proporcionam. “A verdade é que o contexto da economia criativa mudou radicalmente, pois ainda que haja custos na produção de uma obra criativa, uma vez criada, esta obra pode se tornar em fator de enriquecimento de toda a humanidade, já que a disponibilização é praticamente gratuita” (p. 5).
As empresas não estudam formas de se moldar em face às transformações sociais. Por outro lado, pressionam o governo a fim de controlar e frear essas modificações em benefício próprio, ignorando os usos sociais da arte e do conhecimento. Segundo o economista vencedor do Prêmio Nobel, Lawrence Lessig, a economia da informação e do conhecimento deve respeitar critérios mais democráticos e flexíveis, que retratem a realidade da sociedade contemporânea.
Os autores descrevem que as indústrias culturais aplicam relações e práticas de produção que remetem à Revolução Industrial de 1850. Com isso, eles tratam o acesso às obras e ao conhecimento como uma mercadoria tradicional: tentam limitar o consumo de bens simbólicos, criando a falsa sensação de limitação e, consequentemente, de valor econômico incorporado. Desnecessário relembrar em profundidade a discussão foucaultiana sobre os autores.
Tais práticas são surreais, se levado em conta o contexto contemporâneo. O conhecimento, em suas características, não é uma manufatura findável. Pelo contrário, a divisão do conhecimento estimula o aparecimento de novas obras, ideias inovadoras e mais conhecimento. Além disso, explicam Stiglitz e Benkler, que os bens simbólicos incorporam valores, usos sociais e ideias. Não são considerados apenas pelo seu valor de produção/mercado. “Interessa-nos o fato do valor agregado de um produto residir cada vez mais no conhecimento incorporado” (p.7).
Em termos gerais, portanto, a sociedade do conhecimento acomoda-se mal da apropriação privada: envolve um produto que, quando socializado, se multiplica. É por isso, inclusive, que nos copyrights e patentes, só se fala em propriedade temporária. No entanto, o valor agregado ao produto pelo conhecimento incorporado só se transforma em preço, e consequentemente em lucro maior, quando este conhecimento é impedido de se difundir. Quando um bem é abundante, só a escassez gera valor de venda (p.8).
Com isso, cria-se uma tensão entre duas lógicas: a sociedade do conhecimento e o sistema de leis que foram criados em séculos passados. “Por simples natureza técnica do processo, a aplicação à era do conhecimento das leis da reprodução da era industrial trava o acesso” (p.8). Isso trava, no final das contas, o progresso científico da humanidade e a troca de tecnologia/sabedoria entre culturas e países.
Ideologia e hegemonia
Não é necessário muito para entendermos que a lógica defende os interesses das elites tradicionais que comandam o mundo desde as revoluções burguesas. As leis de copyright protegem, na verdade, o capital de poucos e prejudica a sociedade e, me permito dizer, toda a eficácia da globalização, em seus valores, premissas e possibilidades.
Analisado de uma forma mundial, a desigualdade entre as nações se torna ponto fundamental de todo o processo. O conhecimento institui as bases do progresso econômico, muito mais do que a acumulação do capital, que a crise de 2008 provou soçobrar facilmente com a repetição de formas de exploração e rentabilidade que se aproveitam de realidades econômicas de países “subordinados”. “O direito de propriedade intelectual não está baseado no direito natural de propriedade, mas no seu potencial de estimular a criatividade futura” (p.9).
Os autores explicam que “o conhecimento não nasce isolado. Toda inovação se apóia em milhares de avanços em outros períodos, em outros países” (p. 10). A inovação, diz Dowbor, é um processo socialmente construído, que se ampara em todo o conhecimento elaborado pela sociedade, desde às primeiras tecnologias no neolítico. O jurista, James Boyle, fundador dos Creative Commons, nos mostra que as nações hegemônicas se apropriam desse conhecimento de forma gratuita e cobram pelo produto elaborado no final, ele chama esse processo de “enclosure movement”.
As minorias que se apropriam de uma exorbitante parcela da riqueza gerada pela sociedade, apresentam-se como “inovadores”, “capitães da indústria”, “empreendedores” e outros qualificativos simpáticos, mas a realidade é que conforme cresce de maneira impressionante, durante o último século, o conhecimento acumulado e o nível científico geral da sociedade, a porcentagem de idéias que estas elites acrescentam no estoque geral é mínimo, enquanto a sua apropriação tornou-se absolutamente gigantesca, porque colocam um pedágio no produto final que vai ao mercado (DOWBOR, p. 11, 2009).
Esse movimento preserva a riqueza dos países hegemônicos e torna ainda maior o abismo que os separa das “nações em desenvolvimento”. Interessante destacar o quão hipócritas soam as publicidades de responsabilidade social e fomentação da cultura que as grandes empresas veiculam com grande estardalhaço, enquanto seus grupos de pressão travam o acesso democrático à cultura.
Controle dos veículos
Acontece que grande parte dos órgãos de distribuição pré-internet são controlados por esses grupos elitistas que primam pelo enriquecimento particular. Os meios de comunicação, por exemplo, recebem as concessões estatais para funcionar e ignoram sua função social, limitando-se a uma pseudo-prestação de serviço, a qual eles ainda se gabam por fazer. As gigantes recebem os direitos de transmissão, não recebem fiscalização, monopolizam o agendamento de assuntos na sociedade e, apesar de se dizerem “defensoras” da liberdade, impedem a fundação de órgãos comunitários para que as diversidades de opinião sejam expressas.
“O primeiro fato é que a emissão de curto alcance (low power radio service) é perfeitamente possível, e não deveria ser condenada como pirataria” (p. 13). Importante lembrar aqui da criminalização que a lei brasileira faz das rádios comunitárias de baixo alcance. “A comunicação passou a ser interativa, e a própria grande mídia, que através da ABERT (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV) combate qualquer tentativa de democratização do acesso, criminalizando as rádios comunitárias, terá de começar a pensar o seu futuro de maneira criativa” (p. 24).
Nas telecomunicações, o exemplo de Philadelphia é exemplo claro da ação das empresas. A tecnologia de rede wireless municipal, cobrindo toda a cidade, é barata. Na cidade, o projeto de “municipal mesh Wi-fi networking” custaria aos usuários a bagatela de 10 dólares, por uma transmissão de 1 mb/segundo. Muito inferior aos 45 dólares que a empresa local de internet cobra por sua banda-larga. São essas companhias que travam a expansão dessa tecnologia, que beneficia os cidadãos reduzindo os custos de conexão, mas mina os negócios particulares.
Limitar e distinguir o abundante
Rifkin, em A Era do Acesso, descreve que hoje os produtos simbólicos não respeitam mais a lógica produtores/compradores, mas fornecedores/usuários. As pessoas pagam pela utilização de determinados serviços, comunicação, lazer. “O acesso gratuito ao mar não enche os bolsos de ninguém. Fechemos pois as praias” (p. 14).
O capitalismo cria escassez de atos que eram gratuitos para elevar os preços de cobrança. “Ficamos cada vez mais presos na corrida pelo aumento da nossa renda mensal, sem a qual nos veremos privados de uma série de serviços essenciais, inclusive a participação na cultura que nos cerca” (p.15). Dowbor chama isso, de forma muito lúcida, de “pay-per-life”.
O direito dos autores é apenas uma falácia que as empresas evocam, junto com a ética, decaída e anacrônica, para, no fundo, defender o monopólio da exploração comercial dos bens simbólicos. “O receio é que o foco nos lucros para as corporações ricas represente uma sentença de morte para os muito pobres no mundo em desenvolvimento” (p. 15).
Referência
DOWBOR, Landislau. Da propriedade intelectual à economia do conhecimento. Outubro, 2009.
A tese do professor segue trabalhos publicados por Lawrence Lessig, James Boyle, Joseph Stiglitz, André Gorz, Jeremy Rikin, Eric Raymond, Manuel Castells, Pierre Lévy, entre outros. O grupo de acadêmicos defende que a democratização da cultura e da educação é primordial para garantir a igualdade entre as nações, significando avanço coletivo em ciência, arte, tecnologia, economia e política.
Contudo, Dowbor ressalta que as indústrias de entretenimento (cinema, música, informação), constituem grupos de lobby para pressionar parlamentos a criar legislações que impeçam a difusão do material na internet e na sociedade, criminalizando downloads e qualquer distribuição de conteúdo que não respeite a lei de Direito Autoral. “Em vez de se adequarem às novas tecnologias, sentem-se ameaçados, e buscam travar o uso das tecnologias de acesso, acusando quem as usa de pirataria, e até de falta de ética” (p.2).
O professor faz uma análise lúcida e documentada da situação. A legislação corrente permite que uma obra caia em domínio público 70 anos depois da morte do autor. Isso garante o monopólio da exploração mercadológica e artística do conteúdo, que é vendido em lojas especializadas por uma quantia muito superior ao custo de produção e distribuição reais. Esse valor, contudo, não é revertido para o criador. Fica com os intermediários, as organizações culturais, que, na prática, apenas disponibilizam o suporte material e cuidam de toda a logística de marketing, publicidade e distribuição.
Dowbor argumenta que essa lógica nunca fez sentido e, com as mudanças sociais trazidas pela internet, se torna ainda mais anacrônica e irreal. A exploração comercial dos produtos culturais se limita a pouco tempo: a cultura se torna cada vez mais rápida e mutável, as modas vêm e vão em curto prazo de tempo. Com isso, as empresas vendem os filmes, músicas, livros, em até cinco anos, no máximo 10. Isso é fácil de ser comprovado: os best-sellers são preferidos pelas indústrias e ganham mais edições do que os clássicos, long-sellers.
Acontece que, a febre de consumo não dura muito. Quem lembra qual o livro/cd/filme estava na prateleira de mais vendidos em 2001? Quem ainda os compra? Quais ainda estão nessa prateleira em 2011? “A solução não é liquidar os direitos de propriedade intelectual, mas limitá-los a 5 anos prorrogáveis por mais 5 pelo dono dos direitos, caso ache que vale a pena” (p.3).
Isso sem considerar a inúmera quantidade de obras que não ganha nova versão e se torna raridade em sebos ou no submundo da cultura: obras em que os donos do direito de cópia já faleceram e seus herdeiros não são encontrados ou brigam pela partilha da herança; ou mesmo quando a empresa não considera viáveis os custos de uma nova edição porque não teria novo sucesso de vendas. “O uso educacional e científico sem fins lucrativos deve ser liberado. O uso pessoal e interpessoal não comercial deve ser facilitado” (p.3).
Com isso, grande parte da produção cultural fica inacessível com o passar dos anos para proteger os direitos econômicos de pequenos grupos de empresários – note-se: não dos artistas.
E o lucro?
A essa pergunta, o professor responde provocativamente: “é curioso constatar a fragilidade dos argumentos segundo os quais a livre disponibilização dos livros impede a sua venda” (p.4). Em seu texto, ele lista diversas experiências de autores que disponibilizaram suas obras livremente na internet e, hoje, são conhecidos por um público bem maior e fazem dinheiro ministrando palestras, concertos, aulas e coletando publicidades. Isso sem falar no aumento de vendas que esse reconhecimento democrático e massivo que os downloads proporcionam. “A verdade é que o contexto da economia criativa mudou radicalmente, pois ainda que haja custos na produção de uma obra criativa, uma vez criada, esta obra pode se tornar em fator de enriquecimento de toda a humanidade, já que a disponibilização é praticamente gratuita” (p. 5).
As empresas não estudam formas de se moldar em face às transformações sociais. Por outro lado, pressionam o governo a fim de controlar e frear essas modificações em benefício próprio, ignorando os usos sociais da arte e do conhecimento. Segundo o economista vencedor do Prêmio Nobel, Lawrence Lessig, a economia da informação e do conhecimento deve respeitar critérios mais democráticos e flexíveis, que retratem a realidade da sociedade contemporânea.
Os autores descrevem que as indústrias culturais aplicam relações e práticas de produção que remetem à Revolução Industrial de 1850. Com isso, eles tratam o acesso às obras e ao conhecimento como uma mercadoria tradicional: tentam limitar o consumo de bens simbólicos, criando a falsa sensação de limitação e, consequentemente, de valor econômico incorporado. Desnecessário relembrar em profundidade a discussão foucaultiana sobre os autores.
Tais práticas são surreais, se levado em conta o contexto contemporâneo. O conhecimento, em suas características, não é uma manufatura findável. Pelo contrário, a divisão do conhecimento estimula o aparecimento de novas obras, ideias inovadoras e mais conhecimento. Além disso, explicam Stiglitz e Benkler, que os bens simbólicos incorporam valores, usos sociais e ideias. Não são considerados apenas pelo seu valor de produção/mercado. “Interessa-nos o fato do valor agregado de um produto residir cada vez mais no conhecimento incorporado” (p.7).
Em termos gerais, portanto, a sociedade do conhecimento acomoda-se mal da apropriação privada: envolve um produto que, quando socializado, se multiplica. É por isso, inclusive, que nos copyrights e patentes, só se fala em propriedade temporária. No entanto, o valor agregado ao produto pelo conhecimento incorporado só se transforma em preço, e consequentemente em lucro maior, quando este conhecimento é impedido de se difundir. Quando um bem é abundante, só a escassez gera valor de venda (p.8).
Com isso, cria-se uma tensão entre duas lógicas: a sociedade do conhecimento e o sistema de leis que foram criados em séculos passados. “Por simples natureza técnica do processo, a aplicação à era do conhecimento das leis da reprodução da era industrial trava o acesso” (p.8). Isso trava, no final das contas, o progresso científico da humanidade e a troca de tecnologia/sabedoria entre culturas e países.
Ideologia e hegemonia
Não é necessário muito para entendermos que a lógica defende os interesses das elites tradicionais que comandam o mundo desde as revoluções burguesas. As leis de copyright protegem, na verdade, o capital de poucos e prejudica a sociedade e, me permito dizer, toda a eficácia da globalização, em seus valores, premissas e possibilidades.
Analisado de uma forma mundial, a desigualdade entre as nações se torna ponto fundamental de todo o processo. O conhecimento institui as bases do progresso econômico, muito mais do que a acumulação do capital, que a crise de 2008 provou soçobrar facilmente com a repetição de formas de exploração e rentabilidade que se aproveitam de realidades econômicas de países “subordinados”. “O direito de propriedade intelectual não está baseado no direito natural de propriedade, mas no seu potencial de estimular a criatividade futura” (p.9).
Os autores explicam que “o conhecimento não nasce isolado. Toda inovação se apóia em milhares de avanços em outros períodos, em outros países” (p. 10). A inovação, diz Dowbor, é um processo socialmente construído, que se ampara em todo o conhecimento elaborado pela sociedade, desde às primeiras tecnologias no neolítico. O jurista, James Boyle, fundador dos Creative Commons, nos mostra que as nações hegemônicas se apropriam desse conhecimento de forma gratuita e cobram pelo produto elaborado no final, ele chama esse processo de “enclosure movement”.
As minorias que se apropriam de uma exorbitante parcela da riqueza gerada pela sociedade, apresentam-se como “inovadores”, “capitães da indústria”, “empreendedores” e outros qualificativos simpáticos, mas a realidade é que conforme cresce de maneira impressionante, durante o último século, o conhecimento acumulado e o nível científico geral da sociedade, a porcentagem de idéias que estas elites acrescentam no estoque geral é mínimo, enquanto a sua apropriação tornou-se absolutamente gigantesca, porque colocam um pedágio no produto final que vai ao mercado (DOWBOR, p. 11, 2009).
Esse movimento preserva a riqueza dos países hegemônicos e torna ainda maior o abismo que os separa das “nações em desenvolvimento”. Interessante destacar o quão hipócritas soam as publicidades de responsabilidade social e fomentação da cultura que as grandes empresas veiculam com grande estardalhaço, enquanto seus grupos de pressão travam o acesso democrático à cultura.
Controle dos veículos
Acontece que grande parte dos órgãos de distribuição pré-internet são controlados por esses grupos elitistas que primam pelo enriquecimento particular. Os meios de comunicação, por exemplo, recebem as concessões estatais para funcionar e ignoram sua função social, limitando-se a uma pseudo-prestação de serviço, a qual eles ainda se gabam por fazer. As gigantes recebem os direitos de transmissão, não recebem fiscalização, monopolizam o agendamento de assuntos na sociedade e, apesar de se dizerem “defensoras” da liberdade, impedem a fundação de órgãos comunitários para que as diversidades de opinião sejam expressas.
“O primeiro fato é que a emissão de curto alcance (low power radio service) é perfeitamente possível, e não deveria ser condenada como pirataria” (p. 13). Importante lembrar aqui da criminalização que a lei brasileira faz das rádios comunitárias de baixo alcance. “A comunicação passou a ser interativa, e a própria grande mídia, que através da ABERT (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV) combate qualquer tentativa de democratização do acesso, criminalizando as rádios comunitárias, terá de começar a pensar o seu futuro de maneira criativa” (p. 24).
Nas telecomunicações, o exemplo de Philadelphia é exemplo claro da ação das empresas. A tecnologia de rede wireless municipal, cobrindo toda a cidade, é barata. Na cidade, o projeto de “municipal mesh Wi-fi networking” custaria aos usuários a bagatela de 10 dólares, por uma transmissão de 1 mb/segundo. Muito inferior aos 45 dólares que a empresa local de internet cobra por sua banda-larga. São essas companhias que travam a expansão dessa tecnologia, que beneficia os cidadãos reduzindo os custos de conexão, mas mina os negócios particulares.
Limitar e distinguir o abundante
Rifkin, em A Era do Acesso, descreve que hoje os produtos simbólicos não respeitam mais a lógica produtores/compradores, mas fornecedores/usuários. As pessoas pagam pela utilização de determinados serviços, comunicação, lazer. “O acesso gratuito ao mar não enche os bolsos de ninguém. Fechemos pois as praias” (p. 14).
O capitalismo cria escassez de atos que eram gratuitos para elevar os preços de cobrança. “Ficamos cada vez mais presos na corrida pelo aumento da nossa renda mensal, sem a qual nos veremos privados de uma série de serviços essenciais, inclusive a participação na cultura que nos cerca” (p.15). Dowbor chama isso, de forma muito lúcida, de “pay-per-life”.
O direito dos autores é apenas uma falácia que as empresas evocam, junto com a ética, decaída e anacrônica, para, no fundo, defender o monopólio da exploração comercial dos bens simbólicos. “O receio é que o foco nos lucros para as corporações ricas represente uma sentença de morte para os muito pobres no mundo em desenvolvimento” (p. 15).
Referência
DOWBOR, Landislau. Da propriedade intelectual à economia do conhecimento. Outubro, 2009.
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