quinta-feira, 12 de março de 2009

Tese sobre Política Líquida

Marcelo Alves

O termo Política foi designado por diferentes filósofos de diferentes tempos, segundo Aristóteles ela é a ciência que tem por objetivo assegurar a felicidade humana; já Maquiavel considera política a arte de conquistar, manter e exercer o poder, o governo. Ela já foi execrada e vangloriada já salvou vidas e já matou. No entanto, hoje política e movimentos sociais estão envoltos em uma nuvem de esquecimento, guardados em recônditos lugares do dia-a-dia humano, tornou-se sinônimo de corrupção, roubalheira e sujeira. Como explicar o fato de figuras tarimbadas da improbidade voltarem ao poder: Naya, Maluf,Collor, Sarney, o dinossauro PMDB. Todas essas repentinas mudanças na política são frutos do rápido esquecimento, da negligência virulenta que tomou conta dos cidadãos, maiores interessados na honestidade e no bom funcionamento da máquina estatal. Este estudo, calcado na teoria da modernidade do Sociólogo polonês Zygmunt Bauman e de outros autores, propõe-se a elucidar alguns aspectos da política Líquida e seus desdobramentos na sociedade.

O conceito de “Vida Líquida” de Bauman apregoa a constante modificação da sociedade, ou seja, o hábito de alterar sua identidade incessantemente, sem que haja a “consolidação de hábitos rotinas, ou formas de agir”. Dessa forma, há a dinamização das ações humanas levada ao extremo: o cidadão passa a preocupar-se em acompanhar a velocidade caótica do mundo; teme a desatualização como se fosse um processo de exclusão. Essa sociedade “pós-moderna” apóia-se no consumo, na satisfação pessoal e imediata dos prazeres, na transposição das distâncias; no “desejo de sentir desejo”. No entanto, lealdade e vínculo são valores completamente prescindíveis: prender-se a uma ideologia ou um produto significa a estagnação no tempo; a indolência, a morosidade. Estes seres caem numa areia movediça inquebrantável e tornam-se descartáveis, inúteis à sociedade; ficam fadados à exclusão; são tratados como o lixo da sociedade.

Esse conceito de liquidez, aplicado à política pode ser exemplificado pela frase de Hanna Arendt: “o homem está cada vez mais limitado ao labor e ao trabalho, abandonando, assim, o lado político”. Isso ocorre por causa da rapidez extremada à loucura com que o homem moderno conduz a sua vida. A vida política e os movimentos sociais exigem um vínculo ideológico imóvel, fidelidade às doutrinas. Mas o ser moderno não pode conviver com essa inflexibilidade, ele deve experimentar novas sensações, iniciar, apagar, recomeçar. O conceito de sucesso a longo prazo é inaceitável a ele, isso leva a um progressivo abandono e alienação inerentes à ação política.

Além disso, o engajamento político-social deve ser maciço, intenso e contínuo. Este engajamento, cobrar resultados dos homens que governam o Estado, é o principal modo de o povo exprimir seu desejo e suas agruras, de não se sentir alijado das decisões, assim foi na Marcha dos Cem Mil e nas Diretas Já. Assim, muitas vontades devem ser unidas em torno de um objetivo e as pessoas necessitam de tempo livre para isso. O esforço coletivo em busca de um ideal ou resultado foi renegado pela individualidade moderna, os interesses e o bem alheios tornam-se irrelevantes ao cidadão moderno. Isso porque, qualquer tempo que não seja destinado ao hedonismo é improfícuo e pródigo. Isso faz com que as lideranças e opiniões locais sejam desprezadas e abandonadas. Não existe na sociedade nenhum local para debater temas importantes a ela (os fóruns romanos de debate democrático foram deixados na história do império), muito menos pessoas capacitadas e suficientemente informadas para conduzirem o povo.

Nesse sentido, os temas políticos são encarados pela grande parcela da população como algo inacessível e impenetrável. Há um consenso de que a corrupção e a “força do sistema” são indestrutíveis e os cidadãos acomodam-se frente aos desmandos gerais que se desenrolam nos congressos. Assistem incólumes às veladas decisões que são tomadas, pagam as multas que os mandam pagar, seguem as leis que os mandam seguir e, até vão aonde os mandam ir. Os principais afetados pelas resoluções dos excelentíssimos senhores resignam-se a esbravejar contra a improbidade dos políticos, mas não tomam nenhuma providência, não se manifestam contra. Os que ainda tentam tomar alguma diligência são rejeitados; remar contra a maré significa ser diferente, incomum, não se adaptar ao efêmero e estes são tratados pela maré como o lixo que deve ser excluído.

Após a celeridade da globalização ser difundida à exaustão entre os que podem usufruí-la, a sociedade foi polarizada em dois sentidos: segundo Bauman, o primeiro é o dos "turistas", que são integrantes das elites, desfrutadores das belezas da existência e despreocupados com as agruras políticas e sociais dos "vagabundos", estes, por sua vez, são os alijados da sociedade. Entre eles, flutua um volátil grupo que tenta se igualar aos "turistas", uma vez que não se sentem á vontade em seu território. Desses três grupos, nenhum defende quaisquer ideologias políticas que assegurem direitos e melhores condições de vida aos pobres. Os "turistas" ignoram ações que não lhes diz respeito e contentam-se em dar esmolas aos pobres. O grupo central, a classe - media, é manipulado ao sabor das vontades dos turistas; e os "vagabundos", que são a maioria, não tem organização, informações ou coragem para levantarem-se contra o controle dos altos grupos da sociedade. Em outras palavras, o envolvimento amplo a movimentos sociais passa por um período delicado e tende a decair cada vez mais.


Finalmente, a própria Política é liquida em suas demandas e atos. O Estado foi enfraquecido em sua capacidade de tomar decisões; interesses particulares de grandes conglomerados de empresas fragmentaram a força política para poder dominá-la mais facilmente. Ideologias conflitantes ficam à margem das determinações. A classe que detém as rédeas da nação é como uma massa informe que é moldada e manipulada para garantir os lucros das transnacionais. A fragmentação chega a níveis impressionantes quando não há como saber quem manda em um Estado, somas vultosas de dinheiro são investidas todos os minutos e o País se vê dependente da boa vontade dos investidores. Governos que tentam fugir a essa premissa são impedidos de administrar e tem que se adaptar à situação em vigor para tentar derrubar algumas migalhas da farta alimentação da elite para o chão dos pobres esquecidos, como lula vem tentando fazer, melhorar a condição social por meio de acordos com elites de direita e os indestrutíveis PMDB, PFL e PSDB; ou ainda, através de MPs. As ideologias e as manifestações clamorosas de 1930, de 1968 e de 1985 limitam-se a uma página gloriosa da História.

Segundo Goethe “o único meio que o homem moderno dispõe para se organizar é a radical transformação de todo o mundo físico, moral e social em que vive”. E o caminho mais seguro para que essas transformações ocorram é investir na educação das crianças e estimular o pensamento crítico analítico da população; como disse Berman: “como membros da sociedade moderna, somos todos responsáveis pelas direções nas quais nos desenvolvemos, por nossas metas e realizações, pelo alto custo humano aí implicado”. Ademais, a imprensa tem papel fundamental em insuflar esse pensamento crítico, por Nassif: “A imprensa deve atuar como equipamento de identificação dos problemas, porta-voz público, apresentação de reivindicações, noticiar a economia, os mercados e as empresas. Responsabilidade social para com a nação.” A política só se tornará sólida se o povo cobrar honestidade e seriedade, ou segundo Di Franco: “É importante que a Sociedade Civil se manifeste, caso contrário, a democratização não passará de ficção...”

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